Opinião

Fenômeno Glória Maria

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Neste mês de fevereiro, mais precisamente no dia 2, a jornalista Glória Maria deixou esse plano para os que assim pensam, ou apenas "nos deixou".

Dos documentários e frases ditas por ela, a que mais despertou atenção à mim, foi: "Quem não é preto nunca vai entender isso", que vem na mesma linha da minha frase: "Só quem é sabe o que é ser".

A passagem dessa valorosa jornalista comoveu o Brasil inteiro, a ponto de todas as emissoras de televisão tecerem excelentes comentários e até documentários destacando que tal em fenômeno abriu portas a tantos outros talentos. Sem dúvidas um exemplo ímpar!

Logo após o falecimento, vimos elevado número de pessoas consternadas deixando mensagens comoventes e enaltecendo a conduta, inclusive quanto ao pioneirismo dela ao denunciar o proprietário de um hotel, que não admitia negros naquele lugar.

Pode até parecer algo de pouca importância, mas as ofensas raciais deixam marcas profundas nas vítimas, pois que atingem a alma, como, por exemplo, da odiosa ideia de definir qual elevador as empregadas do lar ou negros poderiam usar, pois que até a implementação das medidas legais proibindo tais condutas, eram obrigadas a fazer uso do chamado "elevador de serviço", por meio do qual se transportavam animais, lixo, móveis e etc, que, para as pessoas brancas, acostumadas com isso, não alcançavam  o tamanho da humilhação e constrangimento!

De mesmo modo a arquitetura manteve por muito tempo os famosos "quartos de empregada" que muito se aproximava dos porões dos antigos casarões dos escravocratas e as senzalas (nome dado ao lugar onde os escravizados eram alojados).

Ainda que mudanças ocorram, até podemos contar com pessoas que abominam esse tipo de violência, todavia, lamentavelmente, pessoas negras são ofendidas de todas as formas, quer por gestos, palavras, abordagens, quer na avaliação pelo mercado de trabalho e na oferta de oportunidades em igualdade de condições.

Como dito pela Glória Maria e, sem falsa modéstia, também por mim nesta coluna e na rede social, palestras e etc, "só quem é sabe o que é ser" e o quanto dói deparar com esses tipos de ofensas. E, para os brancos ainda que próximo dessa realidade, como disse Glória, "nunca vai entender isso".

A melhor forma de combate e diminuição desses maldosos fenômenos é a entrega de educação regular de qualidade, verdadeira e sem qualquer margem de dúvida e 100% neutra e inclusão efetiva

Em nada favorece distorcer a realidade, porque "mais cedo ou mais tarde", a verdade surgirá! Logo o mais salutar é manter a neutralidade em nome da verdade absoluta em todos os seus lugares e tempos, sendo certo, por final que todos, indistintamente, ganham.

Voltando para o mundo real somos diariamente bombardeados com notícias comprovando violência de toda espécie, discriminações, atos racistas e afins, os quais, apesar das mensagens condoídas de solidariedade, o quadro não se modifica, na exata medida do aumento do feminicídio, racismo, intolerância, atos homofóbicos e atos nazistas, coincidentemente elevados nos últimos quatro anos.

Qual a relação desses comentários com Glória Maria?  A partir da oferta da oportunidade a ela, que, ao agarrar a chance, alcançou patamar mais elevado do jornalismo televisivo, abrindo portas a outros profissionais com os mesmos requisitos, inclusive, despertando interesse de milhares de jovens.

Isso é o que invariavelmente acontece como, por exemplo, os recém formados pela Faculdade de Direito mais respeitada das Américas, USP, onde 35 cotistas concluíram graduação com altas notas, confirmando o potencial e a garra em resposta a oportunidade recebida.

Nesse rumo, o fenômeno Glória Maria robustece o valor e importância da inclusão racial em todo o tecido social, educacional e mercado de trabalho, que, infelizmente, apesar de tudo isso, barreiras ainda são encontradas em alguns setores, justamente pela ausência de representantes desse segmento nos postos de mando. Faça o este do pescoço.

Ainda que tímidas, as medidas visando inclusão, determinados setores insistem em não respeitar em autêntica desobediência estrutural. Lamentável!

Eginaldo Honório é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP  (eginaldo.honorio@gmail.com)

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