Ao adolescente de 15 anos que viu o épico "Titanic" em sua estreia, no início de 1998, o feito de James Cameron pareceu algo único, a junção perfeita da grande história de amor com a tragédia histórica, o naufrágio de 1912. O tempo passa, a gente envelhece e evolui. Ficamos mais cínicos, dirão alguns. Por tudo isso, o poder de arrebatar o menino de 15 anos não surtiu mais efeito no homem de 40: "Titanic" revela-se hoje inchado e esquemático.
Que fique claro: seus quesitos técnicos - fotografia, design de produção, figurino, maquiagem, toda recriação do navio e de sua época - são capazes de fazer cair o queixo de qualquer um até hoje, tenha você 15, 40 ou mais "experiência acumulada" em ver filmes. O problema do longa de James Cameron está na construção de uma narrativa manjada, cansativa, marcada por estereótipos e inúmeras situações envolvendo um casal de mundos distintos e tudo o que o rodeia - dos pobres da terceira classe aos ricos da primeira.
Vamos à história e aos estereótipos: "Titanic" narra o encontro de Jack (Leonardo DiCaprio), o pobretão que embarcou no navio após vencer um jogo de cartas (ou seja, desde o início seu destino está dado), com Rose (Kate Winslet), a menina não tão rica como aparenta, parte de um plano de sua mãe casamenteira que deve uni-la a um verdadeiro rico, papel do canastrão Billy Zane, que lhe presenteia com um colar de pedra preciosa, o Coração do Oceano.
A pedra é quase o que Hitchcock chamava de MacGuffin, objeto que ajuda a trama caminhar, desejado por muitos, objetivo e obstáculo para alguns e, no fim das contas, insuficiente para mudar os rumos da história - como salvar alguém da morte ou nos oferecer catarse. Cameron utiliza a pedra preciosa como representação da fragilidade e ilusão da riqueza, tesouro que não serve para nada - e por isso terminará, como vemos, no fundo do oceano.
Quando Jack rompe a barreira da terceira classe e chega à primeira, vestido com roupas emprestadas, ver-se-á envolvido em problemas: não é um membro de dentro, ainda que os outros simulem aceitá-lo enquanto o tratam como exótico. Rose apaixona-se por ele, por sua forma de pensar. Detesta a classe da qual faz parte, repleta de pessoas mesquinhas, de polimento e falsidades, de crianças que agem como autômatos programados pelas mães.
A riqueza é má. A pobreza de Jack - sua forma mundana de viver cada dia de uma vez enquanto pinta as pessoas com as quais se depara em suas viagens - torna-se sedutora à menina prometida ao homem que não ama. Na terceira classe, ela dança, diverte-se, bebe mais que o recomendado pela etiqueta. Enfim, é feliz.
E o que acontece quando eles consomem o amor carnal? Quando os representantes de classes distintas estão unidos a ponto de deixarem tudo para trás e saírem pelo mundo? O navio bate em um iceberg e afunda. Todos conhecem o resto. Na história de amor esquemática de Cameron, os lados são inconciliáveis e, desde o início, todos os papéis estão dados.
Alguém dirá que histórias de amor embarcadas no melodrama funcionam assim. O mestre Douglas Sirk fez melodramas de classes sociais e, é verdade, suas obras continuam vivas. Há um abismo entre ele e Cameron, pelo simples fato de Sirk ser um criador de imagens e sequências capazes de nos lançar com profundidade no drama e saber dar às personagens altas doses de ambiguidade, em universos confusos apesar de coloridos.
Com Cameron, vemos apenas o excesso e nos sentimos "deslumbrados" com seu luxo, sua disposição - alguns chamam de perfeccionismo - para entregar o prometido espetáculo de lágrimas no qual o amor verdadeiro não pode triunfar. Passados 25 anos, "Titanic" continua o mesmo. Nós é que aprendemos a vê-lo de forma diferente.
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com (ramaral@jj.com.br)