Opinião

Oshima, um diretor único

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Mesmo o cinéfilo com pouca bagagem já deve ter ouvido falar de "O Império dos Sentidos", de 1976, considerado por alguns como o primeiro "pornô de arte" da História. E talvez o único. Muitos o repeliram por causa do sexo explícito; outros reconheceram sua grandeza e a proposta de rompimento de seu cineasta, o japonês Nagisa Oshima.

Quando lançou "O Império dos Sentidos", Oshima já tinha um punhado de grandes filmes no currículo. Sua história confunde-se com a da nuberu bagu, a nouvelle vague japonesa. Em 1959, ele realizou seu primeiro filme, "Cidade do Amor e da Esperança", mas a renovação viria sobretudo com o segundo, em cores, "Juventude Desenfreada".

A chegada desse longa-metragem representa para alguns estudiosos - e o próprio Oshima parece concordar com isso - o marco inicial da nuberu bagu. Em entrevista a Lucia Nagib, contida no livro "Em Torno da Nouvelle Vague Japonesa" (Editora da Unicamp), o cineasta diz que "talvez 1960 tenha sido o momento que marcou o surgimento do cinema independente e do cinema "dos diretores" ou "de autor" no Japão".

Oshima, mais que um filme, cita um ano. Em 1960 ele fez mais duas obras fundamentais para compreendermos o que foi a nuberu bagu: "Túmulo do Sol" e a obra-prima "Noite e Neblina no Japão". Todos abordam a rebeldia juvenil, versam sobre a criminalidade, fazem uma revisão dos movimentos políticos de esquerda e compõem um quadro amargo sobre as derrotas de uma geração politizada - antecipando o amargor pós-68.

É verdade que Oshima não estava sozinho nesse movimento de renovação do cinema japonês. Ainda em 1956, "Paixão Juvenil", de Kô Nakahira, demonstrava a transformação do cinema nipônico ao dar voz a adolescentes em busca de aventuras e descobertas sexuais. A novidade proporcionada por "Juventude Desenfreada" estava em sua estética agressiva, com câmera trepidante, filmagens nas ruas, cortes que apostavam na descontinuidade (os falsos raccords), além do uso da montagem paralela para expressar o universo conflituoso das personagens. Isso em uma época em que Oshima ainda não havia visto os filmes de Godard.

Após os quatro primeiros longas, e depois de ter a distribuição de "Noite e Neblina no Japão" vetada, o cineasta decidiu deixar o estúdio em que havia se formado, a Shochiku. Com outros colegas, fundou a produtora independente Sozosha. E continuou a fazer filmes fortes e de conteúdo político, alguns ainda mais radicais que os anteriores: "Prazeres da Carne", "Violência ao Meio-Dia" e "Duplo Suicídio Forçado: Verão Japonês", entre outros.

Em 1968, faz outra obra-prima, "O Enforcamento", um ataque frontal à pena de morte praticada no Japão. Em 1970, com "O Homem Que Deixou Seu Testamento No Filme", discute o lugar do autor no cinema e, em 1971, com "Cerimônia Solene", volta suas armas aos rituais japoneses e à família.

Criado sem pai, o diretor fez uma declaração curiosa e que nos ajuda a compreender o espírito que levou à sua filmografia, dada a Nagib em "Nascido das Cinzas: Autor e Sujeito nos Filmes de Nagisa Oshima" (Edusp): "Sem um pai, não tinha uma pessoa contra quem lutar. Acho que é por isso que sempre lutei contra todos os tipos de autoridade, porque não tinha uma autoridade direta contra a qual lutar".

"O Império dos Sentidos", tão controverso, tão divisivo, não é o melhor início para descobrir o cinema de Oshima. Ao rever recentemente "Juventude Desenfreada", acredito que seja esta sua verdadeira estreia, o primeiro que deve ser visto, síntese de seu cinema e de seu pensamento, no qual consegue unir o discurso político à ação marginal.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com (ramaral@jj.com.br)

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