A consolidação da democracia

04/01/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Gosto muito de variados gêneros musicais, mas o que me "pega" é a música clássica. No meu carro, por exemplo, as sinfonias de Schubert e Schumann estão nas paradas de sucesso, assim como as óperas russas (ok, confesso: isso não impede que eu coloque, vez ou outra, um pagode dos anos 1990 para dar risada).

Meus amigos não têm o mesmo bom gosto que o meu (nem tampouco minha soberba). E está tudo bem: amizade tem disso. Não é tudo em que concordamos e temos os mesmos gostos. Pelo contrário! Com amigos o importante é encontrar prazer em estar junto apesar das muitas diferenças.

A isso chamamos tolerância: palavra do latim "tolerare", que significa acolher alguém, ser suporte, ser indulgente para com os outros.

O ideal seria que a tolerância estivesse presente em todos os momentos da vida. Em todas as discussões. E infelizmente, aparentemente tínhamos perdido isso, depois de tanto tempo sendo testados por um desgoverno. Opiniões não podiam ser dadas sem uma rusga infindável, onde os mais ferozes queriam ter toda a razão. Pensar diferente poderia ser uma sentença de perda de amizades e até de empregos (senti ambas na pele).

Mas a vida tem umas coisas que não entenderemos. Dias atrás, na posse de Lula, a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes estavam dominadas por petistas e simpatizantes. Em sua grande parte eleitores de Lula. O momento único que foi a entrega da faixa, com as lágrimas do presidente e a alegria do povo ali presente, foi suficiente para mexer com muitas pessoas que se consideram neutras ou em cima do muro, apáticas e avessas à política.

Não, não é que essas pessoas viraram petistas. Mas foram tomadas por um sentimento de otimismo. Foram acalentadas com a imagem de uma criança negra, junto a mais outros representantes do povo, incluindo aí o titã Cacique Raoni. Todo o Brasil subiu a rampa. E por um momento, ouso imaginar, que todos os brasileiros pensaram: tomara que tudo corra bem.

Isso já é um bom começo. Em 2019, muitas pessoas viram na posse de Bolsonaro a tragédia como quando se avista uma tempestade no céu se formando. E o clima, o sentimento não melhorou. Apenas piorou. Não é esse o caso. Não parece ser o caso.

Eu, particularmente, tenho esperança. Não de que o governo Lula vai salvar a humanidade, mas que será ao menos mais humano que a terrível Era Bolsonaro. Mais humano, mais agregador. Mais justo. Isso não será muito difícil, convenhamos.

Como bem falou o então presidente da república em exercício Hamilton Mourão na noite de sábado (quando Bolsonaro já havia fugido para Miami), a alternância de poder e ideologias é própria da democracia. E nós conseguirmos fazer isso de forma tranquila (ou pelo menos não tão intranquila), mostra que a democracia, tão vilipendiada e judiada em nosso país, está, aos poucos, se consolidando.

Que possamos desfrutar tranquilamente o ano de 2023. Que consigamos nosso sustento. Que possamos dar nossa opinião sem medo de represálias (eu especialmente digo amém a isso).

Que possamos, enfim, apenas viver.

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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