O milagre da Copa

29/11/2022 | Tempo de leitura: 3 min

Eu havia escrito por aqui que a Copa do Mundo poderia produzir um efeito conciliador entre o brasileiro e os seus símbolos nacionais. E, até o momento, eu acho que meu pressentimento estava correto. Depois de duas vitórias da seleção de Tite, a torcida está em um caso de amor com a amarelinha e literalmente não está nem aí se ela é (ou foi) o uniforme do bolsonarismo.

Aliás, dentro dos grupos de seguidores de Bolsonaro, circulam mensagens de incentivo para que os manifestantes não assistam aos jogos da Seleção, troquem o amarelo pelo preto e não compareçam nas celebrações. Ao que tudo indica, os que estão acampados em frente aos quartéis não querem ser confundidos com torcedores. Que ironia.

Mas ironia maior é ver que enquanto os bolsonaristas passam por maus bocados nos seus acampamentos para pedir a anulação das eleições e devolver o poder a Bolsonaro, um dos filhos do presidente, o Eduardo, foi flagrado nas arquibancadas do jogo do Brasil x Suíça, ontem (28), no Qatar. A reação de alguns manifestantes não foi boa para o clã Bolsonaro. Algumas mensagens em grupos de WhatsApp sugerem que os bolsonaristas estão se sentido traídos e que não encontram mais sentido em continuar.

Internamente (dizendo sobre mim agora) eu também senti uma leve diferença no clima envolvendo a camisa amarela. Enquanto algumas pessoas deixam claro que estão usando o uniforme e as cores da seleção "apenas para a Copa", outras não ligam nem um pouco para isso, literalmente se camuflando. O que eu quero dizer é que antes da Copa, toda vez que eu olhava algum prédio com uma bandeira do Brasil ou alguma pessoa com a camisa da CBF, eu logo imaginava que ali habitava um bolsonarista. E isso trazia um monte de sentimentos negativos atrelados à política que vivemos nesses últimos quatro anos. Agora eu olho para alguém de verde e amarelo e até esboço um sorriso, pois pra mim é só mais um torcedor empolgado com a seleção penta campeã do mundo.

Se essa impressão (que mais uma vez, é bem particular) for de outras pessoas também, podemos começar a nos acostumar com a ideia de uma reconciliação nacional. E isso me faz imaginar o que pode acontecer caso o Brasil vença o hexa campeonato. Já imaginou a festa? Não gosto de fazer futurologia, mas posso tentar fazer uma projeção: o país fecha o ano mais leve, menos triste e, quem sabe, mais unido.

Só precisamos torcer para que Neymar esqueça um pouco sua predileção por Bolsonaro e jogue por todos os brasileiros [bolsonaristas ou não]. Quando ele promete que fará um gol para o atual presidente, ele só divide ao invés de unir. Faça um gol por todos os brasileiros, Neymar! Aliás, penso que, quando as pessoas comemoram sua lesão, isso só é uma resposta a um problema que ele mesmo criou. Não concordo com quem fica feliz com o tornozelo machucado do jogador, mas eu entendo quem o faça.

E já que estamos falando de milagres causados pela Copa, vai que todo mundo esqueça essa birra pelo Neymar e só comemore quando o craque fizer um gol decisivo para a seleção canarinho? Dependendo de como ele comemore (sem dedicar o gol ao Bolsonaro), o Brasil inteiro poderá festejar tranquilo e agradecer por ter um dos melhores jogadores em seu elenco, selando assim, pelo menos, um armistício entre ele e a torcida.

Há muito para rolar ainda lá no Qatar. Se o Brasil vai ser campeão ou não, só os deuses do futebol sabem. Mas que, por aqui, 11.968 km de distância, nós começamos a nos reaproximar uns dos outros. Seria um milagre que só o futebol poderia proporcionar. Que esporte sagrado.

Conhecimento é conquista

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação pela USP (felipeschadt@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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