SITUAÇÃO GRAVE

Banhos na madrugada e maus-tratos; Justiça fecha abrigo de idosos

Por Hevertom Talles | da Redação
| Tempo de leitura: 3 min
Divulgação/Pablo dos Santos Pinto | Reprodução | Reprodução
Promotor Túlio Vinícius Rosa pediu a interdição, após constar irregularidades
Promotor Túlio Vinícius Rosa pediu a interdição, após constar irregularidades

Banhos coletivos durante a madrugada, inclusive em noites frias. Comida vencida. Idosa escondendo mangas doadas para não passar fome. Esse é o retrato que foi identificado em uma instituição de acolhimento para idosos em Itirapuã, a 29 km de Franca, que foi interditada nessa segunda-feira, 24, por decisão da Justiça, a pedido do MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo).

O promotor Túlio Vinícius Rosa, responsável pela ação, apontou uma série de irregularidades graves no local. Entre elas, a oferta de alimentos vencidos, condições precárias de higiene e organização, insuficiência de funcionários e falhas na elaboração dos PIAs (Planos Individuais de Atendimento) - documentos essenciais para o cuidado individualizado dos acolhidos.

A situação mais alarmante, no entanto, envolvia a alimentação dos internos. Em uma visita feita seis meses após uma recomendação formal do MPSP, o promotor constatou que os idosos estavam comendo exclusivamente mangas doadas por terceiros. “Idosos estavam comendo mangas doadas por terceiros para terem o que comer, chegando-se ao ponto de uma idosa esconder mangas para não passar fome”, relatou Rosa.

Durante as oitivas no processo, uma testemunha que trabalhou no local descreveu com detalhes a rotina de abandono e improviso. Segundo ela, os banhos eram iniciados por volta das 4h30 da manhã, mesmo em dias frios, principalmente em residentes com incontinência. Muitas vezes, não havia material de higiene adequado, como toalhas umidecidas, o que levava os cuidadores a optarem por banhos completos durante a madrugada para garantir a limpeza dos idosos.

“Às vezes, acordava o idoso para troca de fralda e percebia que havia evacuado, então tinha que dar banho, independentemente do horário”, disse a funcionária, segundo a sentença, acrescentando que a diretoria tinha pleno conhecimento da prática.

Ainda de acordo com o relato dela à Justiça, a alimentação era insuficiente: em algumas noites, era necessário dividir seis pães entre 10 a 12 idosos, complementando a ceia com sobras do café da manhã ou do lanche da tarde.

A falta de funcionários também colocava os acolhidos em risco, aponta a denúncia. Segundo o depoimento da ex-funcionária, para evitar quedas em momentos em que não havia pessoal suficiente para supervisão, os idosos eram amarrados com lençóis nas cadeiras. “Essa prática era adotada como medida de proteção, especialmente quando o idoso apresentava risco de se levantar sozinho”, afirmou.

A situação se agravava, segundo a funcionária, por conta da estrutura inadequada do prédio. “Tem uma rampa, sem proteção e, às vezes, o idoso podia levantar-se e ir para aquela rampa. A gente os amarrava com lençol, enquanto a gente dava assistência para outros residentes, porque realmente não tinha funcionário.. A gente trabalhava com um técnico e um funcionário."

"Em alguns casos, a cabeça do idoso também era amarrada, principalmente quando havia risco de ele se inclinar ou se machucar. Isso era feito enquanto prestávamos assistência a outros residentes", disse à Justiça a ex-colaboradora, que ficou de 2017 a 2024 na instituição.

O relato ainda aponta problemas com a oferta de medicamentos. Segundo o relato, medicamentos prescritos, inclusive psicotrópicos como Rivotril (clonazepam), muitas vezes não eram fornecidos pela instituição, obrigando os internos a comprarem com recursos próprios ou a emprestarem entre si, o que acabava gerando a falta de medicação para ambos.

Interdição e multa

Além da interdição imediata, a Justiça determinou que os dois responsáveis pelo local paguem R$ 500 mil em danos morais coletivos. Ambos já haviam sido afastados por decisão liminar em 2023, quando o Ministério Público iniciou a apuração.

Na época, a Promotoria também alertou a Prefeitura de Itirapuã e a Secretaria Municipal de Assistência Social, pedindo providências para solucionar as falhas, mas nenhuma medida efetiva foi adotada, segundo o MP.

A gravidade da situação foi destacada pelo juiz Daniel Diego Carrijo, responsável pela decisão judicial. Em sua sentença, ele afirmou que as práticas no abrigo transcendem falhas pontuais e configuram um padrão sistemático de maus-tratos e negligência, violando massivamente os direitos da pessoa idosa.

O juiz determinou ainda que o testemunho da ex-funcionária seja encaminhado à Polícia Civil para apuração criminal dos fatos, especialmente em relação à falta de assistência à saúde de um dos idosos.

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Comentários

3 Comentários

  • Adauto casanova 26/06/2025
    São ocorrências comuns a muitos municípios, infelizmente, e que merecem destaque para serem corrigidas injustiças contra esses invisíveis. Parabéns pelo brilhante trabalho em prol dessas pessoas.
  • EU EUE EU 26/06/2025
    Esses lares é igual clinicas para tratamento de dependentes, só ganham dinheiro e mau trata os seres humanos. Tratar e cuidar é só Deus ou Mães.
  • Raquel 26/06/2025
    Orgulho ver um profissional como o Dr. Túlio lutando por uma causa tão humana e essencial! Patrocínio Paulista precisa ,e merece, de pessoas assim, que não medem esforços para fazer a justiça acontecer de verdade!”