
Quem não se lembra do primeiro dia em uma escola nova? O uniforme cuidadosamente dobrado ao lado da cama, a ansiedade misturada à empolgação. O mesmo acontece no primeiro dia de trabalho ou em momentos marcantes da vida, que nos deixam com a sensação de borboletas no estômago. Assumir um mandato traz sentimentos semelhantes: o desejo de realizar mudanças, a euforia do novo e a inquietação diante dos desafios. No entanto, após o primeiro mês de vereança, percebo que muito poderia ser mais fácil – se, ao invés de criarmos problemas, nos concentrássemos em resolvê-los.
Nas últimas semanas, aprendi que não sou eu quem escolhe as causas, mas sim as causas que me encontram – e quase tudo é urgente. Logo nos primeiros dias, me deparei com uma reforma administrativa que parecia um presente de aniversário, embrulhado em serpentinas e laços de fita colados com superbonder: bonito por fora, mas impossível de abrir sem se machucar. No dia da votação, pedi adiamento para entender melhor as implicações das mudanças. Nem a prefeitura nem os demais vereadores sabiam explicar exatamente como isso impactaria a população. O argumento? "Confie no prefeito, ele sabe o que faz." Mas as pessoas afetadas sentiam diferente.
Foi assim que conheci a situação do Centro de Educação Integrada (CEI), que atende 194 aprendizes adultos com deficiência intelectual e que, segundo o projeto, seria extinto por exigência do Ministério Público. No entanto, após visitas à entidade, análise de documentos e conversas com familiares, descobrimos que essa justificativa não se sustentava. Após expormos as incoerências e sem nenhuma explicação plausível para o fechamento do serviço, a prefeitura recuou e anunciou a continuidade do CEI.
As inconsistências não param por aí. A cultura, por exemplo, também foi alvo dessa lógica atropelada. A extinção da FEAC (Fundação Esporte, Arte e Cultura), substituída por uma Secretaria de Esporte e Cultura, foi aprovada sem planejamento claro. A Escola Municipal de Iniciação Musical foi realocada sem apresentação de projeto, sem definição de orçamento, secretário, diretores ou servidores. Tentei mediar o diálogo convocando responsáveis para esclarecimentos na Câmara – ninguém compareceu. Convidei a prefeitura para uma reunião com agentes culturais – ninguém apareceu. A secretaria foi criada, mas, na prática, tornou-se uma "terra de ninguém".
A saúde também vive momentos de incerteza. Recentemente, os profissionais de urgência e emergência foram surpreendidos com mudanças em suas escalas, desconsiderando acordos vigentes há 12 anos. Entre as alterações, a entrada ou saída do trabalho às 1h da manhã, sem transporte público disponível, colocando em risco a segurança de servidores – em sua maioria, mulheres. Além disso, o aumento no número de trocas de turno, a redução de folgas e a ausência de diálogo geraram apreensão. A justificativa da prefeitura? "Excesso de atestados médicos". Mas, se profissionais da saúde adoecem devido às condições extenuantes de trabalho, a resposta deveria ser cuidado, e não punição.
E falando em transporte público, a situação se agrava. Há semanas recebo denúncias de ônibus que não cumprem os horários, com linhas reduzidas pela manhã e encerradas por volta das 19h, prejudicando trabalhadores e estudantes. A prefeitura, que justifica a alta tarifa pela suposta baixa adesão de passageiros, não apresenta dados transparentes sobre a qualidade do serviço. Como cobrar eficiência sem oferecer estrutura adequada?
Essas foram algumas das pautas que ocuparam meu primeiro mês como vereadora. Meu diagnóstico é claro: mais da metade desses problemas poderiam ser evitados se a política fosse feita de maneira diferente, considerando as pessoas como vidas, e não como números em uma planilha.
Talvez não precisasse ser tão difícil.
Marília Martins é professora, produtora cultural, foi membro do Conselho de Políticas Culturais, do Conselho da Condição Feminina e atualmente é vereadora pelo Psol.
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Comentários
3 Comentários
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jaques campos 07/02/2025Parabens a vereadora Marilia Martins pela sua atitude de encarar o lado social da politica, que deveria ser o objetivo principal de todo politico, trabalhar para a sociedade.
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Zezim 06/02/2025Sábado a noite e domingo se precisar de ônibus esquece
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JORGE LUIS MATINS 06/02/2025Em regra a máquina pública é preguiçosa, viciada e organizada bem, tão somente para cobrar impostos e multas do cidadão. S a administração fosse eficiente para prestar serviços, da mesma forma que é para cobrar impostos, estaríamos feitos. Na pratica é necessário \" provocar\" ( no bom sentido) e cobrar providências pois, administradores devem ( ou deveriam) saber que não são donos da coisa Pública e sim, servidores que deveriam resolver problemas e não criá-los. Pronto falei !!!