Golpistas têm apostado em histórias mirabolantes para enganar usuários em aplicativos de relacionamento, principalmente homens, segundo a Polícia Civil de São Paulo.
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Criminosos inovam nos métodos. "A criatividade dos golpistas, aliada à especificidade das vítimas, tem tido uma ampliação no conteúdo'', avalia o delegado Carlos Afonso Gonçalves da Silva, da Divisão de Crimes Cibernéticos de São Paulo.
"Ainda assim, a 'indústria dos golpes' está sempre se adaptando e aprendendo a burlar as nossas medidas. As redes sociais e os aplicativos de relacionamento são os lugares favoritos dessas pessoas mal-intencionadas", informou o Grindr, aplicativo de relacionamento.
1- Golpe do delegado
Thiago Soares, de 34 anos, quase acreditou que estava em uma enrascada quando um suposto delegado entrou em contato pelo WhatsApp. Um dia antes, ele teria trocado nudes com um garoto que aparentava ser mais novo, sem saber exatamente sua idade.
Número com foto e nome de um policial mandou mensagem. O ''agente'' dizia que sabia que ele tinha trocado fotos íntimas com uma pessoa menor de idade, que também tinha problemas psicológicos. ''Me ligou, deu meu nome completo, fiquei sem entender. Contou uma história e na hora eu fiquei assustado'', explicou ao UOL.
Com o decorrer da conversa, o mais comum é que o farsante peça que a vítima faça um pagamento para que o caso não tenha complicações judiciais. No caso de Thiago, o golpista afirmou que o "menor de idade'' precisava ser internado em uma clínica psiquiátrica e que ele teria que arcar com pelo menos metade das despesas.
Ao ser cobrado, Thiago passou a discutir com o criminoso. Ele percebeu o golpe e se recusou a fazer o pagamento, dizendo se tratar de uma história ''absurda''. Na sequência, suposto delegado o bloqueou.
2- Golpe da mulher traficante
Usuários nas redes sociais relatam ter sido ameaçados por supostos membros de uma facção criminosa. Após conversar com o perfil de uma mulher por um dos aplicativos de relacionamento, ela pede o número da vítima e em seguida um "faccionado'' envia mensagens alegando que, na verdade, se tratava da esposa de um traficante.
O golpista passa a fazer ameaças de morte e extorsões pela "talaricagem". Eles chegam até a enviar informações pessoais para intimidar o alvo. "Meu coração está saindo pela boca, estou com sintomas fortes de ansiedade e realmente não queria estar passando por isso agora'', contou uma vítima, que preferiu não ser identificado, pelo Reddit.
3- Golpe do custeio
Wictor Braga, de 28 anos, estava no Hotel Chilli, uma sauna gay em São Paulo, quando recebeu uma mensagem. O recado parecia ser de um perfil comum, que também teria interesses sexuais e românticos.
O homem dizia querer se encontrar com Wictor na sauna. "Eu não estava mais sóbrio, tinha bebido, então a gente fica com o filtro um pouco baixo, né?, explicou. O pedido ocorreu após cerca de 20 minutos de conversa e troca de fotos.
O usuário alegou que estava sem dinheiro para a gasolina e pediu um pagamento. Assim que Wictor fez o Pix, o homem o bloqueou no Grindr. O homem disse perceber que os suspeitos costumam atacar em horários noturnos e aos finais de semana, quando as vítimas estão em festas
4- Golpe do Sugar Daddy
''Oi, tudo bem? Sou 'sugar daddy' e quero te dar R$ 20 mil de mesada por semana''. Os golpistas se passam por homens estrangeiros e mais velhos que se dizem dispostos a pagar uma mesada - por isso o termo "papai'' do inglês - por algumas interações, que podem envolver o envio nudes. Nesse caso, homens e mulheres são alvos.
Criminosos podem fazer chantagens e extorsões para não divulgar imagens. Eles também costumam enganar as vítimas pedindo a transferência de "valores simbólicos'' ou exigir dados de login das contas de aplicativos de relacionamento para aplicar golpes em outras pessoas.
5- Golpes do sequestro
Na capital paulista, até o mês de agosto, quatro sequestros foram registrados após vítimas marcarem encontros por apps. Dois deles foram via Tinder, um pelo Grindr e outro pelo Hornet. Nos primeiros, no início do ano, os suspeitos foram presos. Os outros ainda seguem foragidos.
Vítimas foram levadas para cativeiros nas zonas leste e norte de SP. Elas foram mantidas em cárcere por horas ou dias, enquanto a quadrilha realizava uma sequência de transações bancárias, contou o delegado Fábio Nelson Fernandes, da Delegacia Antissequestro.
Em todo ano de 2023, foram 49 casos notificados e, em 2022, 115 ocorrências. Cinco desses acabaram em mortes ao longo dos dois anos. Com a explosão de casos, polícia, plataformas e instituições bancárias precisaram se aliar e pensar em estratégias de combate.
Tendência de queda
Volume de golpes caiu em comparação aos últimos dois anos, na avaliação da Polícia Civil. Apesar de ainda não terem dados consolidados, agentes observam que a divulgação de informações e medidas de combate adotadas a partir de 2022 contribuíram para a redução dos crimes.
Parte dos usuários também mudou os hábitos em meio à onda de golpes. Rubens Ramos, de 26 anos, disse ao UOL ter ficado em alerta após relatos de amigos. ''Conheço em média uns 20 que já foram vítimas'', fala. Os passos de segurança essenciais para o jovem incluem não responder perfis que não tenham fotos e nunca passar o número de WhatsApp.
Verificação por foto e canais de denúncias foram meios encontrados pelas plataformas para lidar com a situação. "Implementamos uma série de recursos de segurança no aplicativo e estabeleceu um sistema robusto de denúncias para responsabilizar os usuários, removendo-os de nossa plataforma'', informou o Tinder.
Legislação
Para o delegado Carlos Afonso, permitir o acesso a dados sensíveis em tempo real sem necessidade de autorização judicial facilitaria os trabalhos. Ele esclarece que em outros países, como nos Estados Unidos, é possível que a polícia acesse instantaneamente a geolocalização, contas em provedores e registros de conexão de pessoas suspeitas desse tipo de golpe.
Na visão dele, ajustes legislativos trariam velocidade em ações policiais. ''Aqui, você depende da autorização para coletar a prova'', diz. Ainda usando como referência outros países, Carlos Afonso argumenta que nesses locais o controle judicial é sobre a utilização do dado obtido e não sobre a coleta.
Vinicius Vasconcellos, professor de Direito Processual Penal da USP (Universidade de São Paulo), concorda que é fundamental estruturar um sistema de investigação rápido. No entanto, explica que ''a regra deve ser a necessidade de autorização judicial prévia, para evitar que medidas invasivas sejam feitas em casos desnecessários''.
A violação da privacidade, controlada pelo Judiciário, só deve ocorrer se houver indícios de crime, entende. ''Se não for necessária essa autorização judicial prévia, a polícia poderia obter dados sensíveis sem nem mesmo haver uma investigação concreta em andamento, o que não podemos aceitar'', diz. Para ele, deve-se criar meios para que os pedidos ao judiciário sejam analisados rapidamente.
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