VÁRZEA VAZIA

Há 18 meses sem jogos, 'varzeano' deixa vácuo para atletas e torcedores

Por Lucas Faleiros | da Redação
| Tempo de leitura: 7 min
Arquivo/GCN
Emoção de ver campo lotado, sensação de levantar a taça e a adrenalina do jogo são saudade dos jogadores
Emoção de ver campo lotado, sensação de levantar a taça e a adrenalina do jogo são saudade dos jogadores

Tidos pelo senso comum como eventos de pura diversão, os campeonatos varzeanos são bem mais do que isso. Além de ser, comprovadamente, um celeiro de craques no Brasil - não faltam exemplos de jogadores que fazem sucesso hoje em dia e, antes de chegarem ao futebol profissional, tiveram passagens pelo amador, como Bruno Henrique, do Flamengo, Patrick de Paula, do Palmeiras, e David Luiz, do inglês Arsenal - a várzea ajuda a dar um impulso na renda das famílias dos jogadores, árbitros e comerciantes que participam dela.

Em Franca, há mais de um ano e meio que essas pessoas não veem a cor do dinheiro nem a emoção das disputas. O último campeonato realizado foi em 2019 e, pelo menos até este momento, quando a pandemia dá claros indícios de estar avançando novamente na cidade, não há previsão de ocorrer um novo torneio tão cedo. Aos participantes e amantes do futebol amador, resta somente lamentar e se lembrar da emoção de comparecer a um campo lotado.

Jogador do Miramontes E.C, Jeferson Caldas de Sousa, o “Jefim”, conta que a saudade de jogar a várzea é grande. “É o campeonato mais gostoso e importante do ano. Estamos tristes com a pandemia e ansiosos para voltar. Nunca vimos uma paralisação tão longa quanto essa. Sinto falta de fazer um gol, né? De ver a torcida gritando o nosso nome, o pessoal ficando doido quando você dá uma finta em um camisa 10 conhecido... e, claro, ser campeão. Isso é o gostoso para nós, que jogamos”.

Para ele, que tem trabalho formal, a grana que conseguia jogando o varzeando não é o que faz mais falta. Ainda assim, o ganho extra permitia que o atleta tivesse experiências que, sem os jogos, ficam mais inviáveis. “Era bom, né? A gente conseguia sair com a família, se divertir, gastar um pouquinho a mais no shopping. Em geral, o pessoal está conseguindo seguir tranquilo, mas o dinheiro ajudava”.


Jefim sente falta de estar em campo (Fotos: Arquivo Pessoal)

Jefim diz que está ansioso pela volta, mas, por enquanto, a prioridade é outra. “O importante é a saúde agora. Se todo mundo já estivesse vacinado com a segunda dose, aí dava para considerar (voltar). Teria menos risco. A gente tem família, criança pequena, mãe de idade, então também ficamos com medo. É perigoso. Por enquanto, vamos treinando em casa, do jeito que dá. Quando der certo, volta tudo com segurança”.

Assim como o atleta do Miramontes, Marcos Júnior Neves Sousa, o “Júnior Preto”, do Roma F.C, está triste por não poder entrar em campo. “Todo mundo fica muito chateado. Infelizmente, veio essa pandemia, que gerou tanta situação ruim. Espero que isso tudo passe o mais rápido possível. O futebol amador gera muitas amizades e, mais do que isso, ajuda a sustentar algumas pessoas. Com tudo parado, a gente perde isso. Mas, se é por uma boa causa, temos que respeitar. Tomara que todo mundo seja vacinado. Agora é torcer para estarmos de volta logo”.


Júnior Preto concorda com a paralisação: “temos que respeitar” (Fotos: Arquivo Pessoal)

O volante Danilo Marques, atleta do Aeroporto, conta que chegou a enfrentar algumas dificuldades quando as partidas foram suspensas pelo coronavírus. “Enfrentar dificuldade, enfrentei. Não a ponto de passar fome, graças a Deus, mas foi complicado. O dinheiro que eu ganhava faz falta, com certeza. Ele não cobre todas as nossas necessidades, mas acaba ajudando muito. O que não pode é abaixar a cabeça. Temos que ir à luta”.

“Dandan”, como é conhecido, torce para que tudo volte logo ao normal, mas também coloca a saúde de todos como valor principal. “Na minha opinião, ainda vai demorar um pouco para o amador voltar. E é o correto mesmo. Tem muito risco. Já estamos há tanto tempo parados, é melhor esperar mais um pouco. Não custa nada. Precisamos respeitar”.

Apesar da resignação, Danilo não esconde a saudade. “Aquela coisa de rever os amigos, ver uma criança assistindo os jogos, ter uma senhora, um senhor com a camisa do time torcendo, de receber um incentivo de gente que, muitas das vezes, nem conhecemos e ver o campo lotado. O futebol só proporciona coisas boas. Fiz muitas amizades com ele e sou grato por tudo o que passei. Está todo mundo sentindo falta, com o coração apertado. O sentimento, neste momento, é de tristeza”.


Para Dandan, a atmosfera ao redor dos jogos é motivo de saudade
 

Duane Vinicius de Oliveira, o "TIdu", diz que a mistura de sentimentos proporcionada pelo esporte é o que mais faz falta. “Começa pela resenha dentro do vestiário. Quando os jogadores estão se preparando pra subir a campo, cada um com sua crença, com seu jeito de se concentrar e você nota um brilho no olhar de todos. Isso é gratificante pra mim. Fora a sensação de estar em campo, que é indescritível. Sinto muita falta disso”.

Duane acredita que seus companheiros de várzea têm passado por momentos difíceis na pandemia. “A maioria tem enfrentado, sim (dificuldades). Quando o que a gente vivencia é tirado de maneira repentina, sentimos. Ficamos perdidos. O movimento para os jogos já começava pela manhã. Minha esposa e minha filha ficavam eufóricas, sempre estavam comigo”, conta.

Para Tidu, a pandemia não é o único problema. “O varzeano de Franca deveria ser mais respeitado, pois movimenta muito a cidade”, alerta.


Os jogos param, os times não
O diretor do Paulistano F.C, Leandro Aguiar Carrijo, diz que algumas equipes, mesmo sem competir, têm tentado atrair jogadores adversários na pandemia e que quem acompanha a várzea deve se surpreender quando os jogos voltarem.

“Está uma briga nos bastidores. Alguns times estão fazendo de tudo para segurar os seus atletas. Agora, com tudo parado, tem acontecido de chegar outra equipe oferecendo mais dinheiro para o jogador sair, aproveitando das dificuldades financeiras. Tem cara que é prata de casa, está há 5, 6 anos no mesmo time e, quando tudo voltar, pode aparecer com outra camisa. Vão ter muitas surpresas no campeonato varzeano”.

Leandro afirma que os clubes perderam toda a sua renda com a pausa dos jogos, o que acontece desde 2019. “Tem time na cidade que vive do futebol Varzeano. As partidas que tinham público no estádio giravam muito dinheiro e fazem bastante falta para algumas equipes. O pessoal perdeu 100% da renda na pandemia. Não ganha nada. Fora isso, tem também o sentimento. Igual nós, do Paulistano... Somos muito unidos e a distância tem machucado. A tristeza é grande”.

Apesar disso, o dirigente também acredita que não se pode ter pressa para retornar. “Zero possibilidade de voltarmos. A gente tem um grupo com o pessoal da Feac (Fundação do Esporte, Arte e Cultura), os organizadores, e ninguém comenta nada. Não tem previsão. E não tem como mesmo... O campeonato é feito em campo aberto e a gente não consegue controlar o público. Se fosse igual no profissional, sem torcedores, ainda podiam acontecer os jogos. Mas, neste momento, acho que não tem condição”.

Na cabine de transmissão também há saudade
Os radialistas Adriano Oliveira e Marcos Silva acompanhavam o campeonato varzeano de forma assídua e transmitiam os jogos pela internet com a equipe 'Feras do Rádio'. Para Adriano, os danos causados ao meio, principalmente aos comerciantes que participavam dos jogos, é incalculável.

“Além de ser um importante lazer para os bairros de nossa cidade, muitos jogadores tinham no cachê recebido um complemento de renda, sem contar nas barracas instaladas por comerciantes de petiscos e bebidas. Para eles, esse dinheiro com toda a certeza faz muita falta. Por enquanto, como há essa conexão forte entre o esporte e a comunidade, os times têm feito ações solidárias para ajudar as famílias com dificuldade. Devemos cuidar do próximo nessas horas delicadas”, afirma.


Radialistas transmitem as partidas na internet (Fotos: Arquivo Pessoal)

Apesar da saudade, o narrador crê que o momento para que os campeonatos retornem não é o atual. “Não é a hora para acontecerem aglomerações. Precisamos seguir as recomendações. Quanto maior for o nosso compromisso com os protocolos sanitários, mais rapidamente retornaremos ao chamado 'novo normal', com o retorno dos campeonatos promovendo e alegrando nossos bairros”.

Companheiro de Adriano nas transmissões, Marcos Silva vê com tristeza tudo o que tem acontecido. “A situação está difícil para todo mundo. O dinheiro dos jogos faz falta aos jogadores, à arbitragem e aos demais. Mas, o principal é o lado do torcedor. Quando você ia a um campo, via a torcida vibrando sempre. Para algumas pessoas, o final de semana se resumia ao varzeano. Se tinha um jogo no Paulistano, o cara ia no Paulistano. Se a partida era na Vila São Sebastião, ele estava lá. Nós, que transmitíamos os jogos, também sentimos muito. Era tudo muito emocionante. Todos perderam”.

Apesar disso, o radialista não perde a fé de que tudo logo se restabelecerá. “A gente fica na esperança de que todos recebam a vacina e os campeonatos possam voltar a acontecer. Esse é o nosso pensamento. Logo, o pessoal com 50 anos começa a ser vacinado. Quem sabe essas pessoas já não poderão começar a voltar, né?”, sonha, otimista.

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