Poucos crimes são tão execráveis quanto o estupro. Imaginar que uma mulher seja forçada a fazer sexo contra sua vontade, de forma violenta e agressiva, é um horror em si mesmo. Como se não bastassem os traumas gerados pelo ataque propriamente dito, ainda há um efeito que, algumas vezes, se segue ao estupro, fazendo com que a tragédia ganhe uma proporção ainda mais terrível e abominável: a gravidez.
Toda gestação deveria ser resultado de um ato de amor – e, por que não, de desejo, vontade, prazer. Nunca, consequência de um horror. Mas como nem sempre a vida é justa, e apesar de todos os protocolos adotados em caso de estupro, que incluem remédios contraceptivos e outros cuidados, há muitos casos em que a mulher violentada tem que lidar ainda com o trauma de uma gravidez.
Até agora, a lei brasileira, como acontece em praticamente 99% dos países do mundo, autoriza o aborto nestes casos. Se há muita polêmica quando se fala no aborto como método contraceptivo para interrupção de gravidez, o fato é que quando o estupro entra na equação, há quase sempre convergência. Afinal, por mais que seja o início de uma vida, é crueldade demais obrigar uma mulher violentada a dar luz a um bebê cujo pai é o monstro que a violou.
Se depender das declarações da futura Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, a pastora Damares Alves, muito em breve o Brasil pode fazer companhia a El Salvador, Malta, Andorra, San Marino, Gabão e Guiné-Bissau, algumas das poucas nações na quais o aborto é proibido em quaisquer circunstâncias – ou seja, mesmo em casos de estupro.
A ideia de Damares, inicialmente, é implantar o Estatuto do Nascituro, projeto mais conhecido pelo seu apelido, Bolsa-Estupro. Segundo o projeto, mulheres grávidas vítimas de estupro que decidam manter a gestação teriam uma ajuda de custo de R$ 85 por mês até que a criança complete 18 anos. O dinheiro seria cobrado preferencialmente do estuprador; caso não pague, o Estado assumiria a despesa.
É bom que se diga que o projeto é anterior a Damares e está em discussão há anos na Câmara dos Deputados. Mas, inequivocamente, ganhou força com a vitória de Bolsonaro. Pelo que se depreende das entrevistas da polêmica futura ministra, por mais que diga que não pretende mexer no código penal (que regula os casos em que o aborto é permitido), fica claro que na sua opinião o Brasil sem abortos em quaisquer circunstâncias seria um país melhor.
É legítimo que a pastora Damares ou qualquer pessoa tenha uma opinião a respeito. Ruim mesmo é tentar impor esta visão para todo mundo. Acreditar que o melhor para uma mulher estuprada é manter a gestação é direito da pastora Damares. Incentivar, ainda que com dinheiro, a manutenção desta gestação, é o limite do razoável. Qualquer tentativa de avançar além disso é flerte com a barbárie. Mulheres estupradas que engravidam são vítimas de uma brutalidade inominável. Obrigá-las, por lei, a dar à luz, é uma violência sem limites. O livre arbítrio é o caminho possível. Quem quiser, mantém a gestação. Quem preferir, desfaz o dilema. Que a ministra não avance além desta bolsa de eficácia já muito duvidosa. Tudo que uma mulher estuprada e grávida não precisa é de um tormento adicional, imposto por lei.
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