Promotor é acusado de ‘fabricar’ denúncias


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Guerra: o juiz José Rodrigues Arimatéa (dir) e o promotor Paulo Borges (esq) trocaram fortes acusações
Guerra: o juiz José Rodrigues Arimatéa (dir) e o promotor Paulo Borges (esq) trocaram fortes acusações

O promotor de Justiça Paulo César Corrêa Borges, que se tornou conhecido por mover diversas ações contra prefeitos e secretários municipais ao longo da última década, especialmente durante os governos de Gilmar Dominici (PT) e Sidnei Rocha (PSDB), é acusado de ter forjado uma denúncia anônima para justificar a abertura de investigação contra membros do Judiciário em Franca. Quem faz a afirmação é o juiz de Direito José Rodrigues Arimatéa, responsável pela Vara do Júri, Execuções Criminais e da Infância e Juventude, que já informou o Tribunal de Justiça sobre suas conclusões. O promotor Paulo Borges repudia as acusações e afirma não haver provas contra ele. “Estou absolutamente injuriado e ofendido.”

A denúncia, que segundo o juiz Arimatéa foi forjada por Paulo Borges, tem início numa carta anônima postada na agência dos Correios do Centro de Franca no dia 16 de novembro de 2011. A correspondência tinha como destinatários o Comércio da Franca e o Ministério Público. Paulo Borges recebeu cópia da misteriosa correspondência que continha, além de acusações de nepotismo (favorecimento para conseguir emprego para parentes no serviço público) supostamente cometido por assessores diretos do juiz Arimatéa, também pesadas críticas e ataques pessoais contra o próprio magistrado.

O principal alvo da denúncia era o diretor de serviços Douglas Quintanilha, subordinado direto de Arimatéa, que teria pressionado para conseguir que sua mulher fosse nomeada sem concurso público para uma vaga na Fundação Casa. Tudo teria acontecido com o conhecimento do juiz Arimatéa, que teria permitido o tráfico de influência para se beneficiar de uma “ajuda extra” de Douglas Quintanilha. O autor da denúncia afirmava que Arimatéa agia assim porque era Quintanilha quem redigia as sentenças que o magistrado proferia. Desta forma, o “acordo” permitiria “vida fácil” ao juiz. Nenhum documento que pudesse minimamente sustentar a denúncia acompanhava a correspondência nem havia qualquer indicação de fontes que pudessem confirmar a autenticidade de seu teor. Por essa razão, foi ignorada, à época, pela reportagem do Comércio.

No dia seguinte à postagem, 17 de novembro, Paulo Borges instaurou procedimento administrativo para apurar as denúncias e encaminhou cópias da carta anônima para Arimatéa e Quintanilha. No dia 21, o promotor também diz ter informado a Procuradoria Geral de Justiça sobre o caso. Arimatéa abriu apuração interna com o objetivo de averiguar as imputações de nepotismo feitas a Douglas Quintanilha e para também descobrir a identidade do autor das acusações. “A chamada denúncia anônima, arma típica daqueles desprovidos de coragem, não merecia de nossa parte nenhuma apuração. Ocorre que os fatos ali narrados são tão graves e ofensivos que, além de apurá-los, o senso de dignidade de qualquer magistrado, a bem da moralidade pública, manda que também seja identificada a sua fonte, de modo que o anônimo seja identificado e, se falsa a imputação, responsabilizado por seus atos”, justifica o juiz na sentença prolatada no último dia 18 de janeiro.

Arimatéa afirma em sua sentença que a acusação de nepotismo é falsa. A mulher de Douglas Quintanilha foi admitida em agosto de 2010 pela Pastoral do Menor, ONG responsável por gerenciar a Fundação Casa. Segundo o juiz, os funcionários da Pastoral são contratados pelo regime de CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e não exercem atividades diretamente subordinadas ao Poder Judiciário nem são servidores públicos estatutários. Portanto, os funcionários que ali trabalham contratados pela Pastoral do Menor, diferente do que insinua a carta anônima, não são concursados.

Na mesma decisão, Arimatéa também ironiza a afirmação contida na carta anônima de que Douglas Quintanilha teria poder suficiente para influenciar o juiz. “Quanto a eventual influência do diretor de serviços sobre o magistrado, só há duas hipóteses: o diretor de serviços é muito poderoso ou o juiz não tem o domínio das suas faculdades mentais (...) A nossa postura como magistrado não permite aproximações e muito menos ao ponto de receber influência de quem quer que seja.” Na conclusão, Arimatéa descarta qualquer hipótese de favorecimento e determina o arquivamento do procedimento administrativo aberto contra o seu diretor.

O ANÔNIMO
O procedimento administrativo instaurado pelo juiz Arimatéa não se limitou à análise da denúncia de nepotismo. O magistrado também dedicou tempo e esforços para identificar o autor da denúncia anônima. O resultado da apuração é surpreendente. Segundo Arimatéa, ninguém menos que o promotor Paulo Borges foi o autor das denúncias anônimas.

A constatação de Arimatéa é resultado da análise da gravação das câmeras de segurança da agência dos Correios e também do depoimento de uma testemunha. Os vídeos mostram que o promotor Paulo Borges esteve na agência dos correios no mesmo dia em que as cartas anônimas foram postadas. Perícia nas imagens realizada por determinação do juiz aponta que Paulo Borges entrou na agência às 9h55 “segurando papéis” e se dirigiu para o guichê 9, especializado no atendimento de clientes interessados em fazer o CPF, mas que também aceita a postagem de correspondências. A medida é tomada para evitar que alguém que vai retirar o documento e tenha correspondências a postar seja obrigado a enfrentar duas filas.

Lorelai Oliveira Telini Rosa, atendente que respondia pelo atendimento do guichê 9 naquele dia, confirmou em depoimento formal à Justiça que a carta foi postada ali. “A carta (...) tem selo e carimbo e foi colocada no meu guichê”, afirma. O laudo pericial das imagens também indica que, aparentemente, o promotor Paulo Borges posta duas correspondências, além de retirar documentos.

O juiz José Rodrigues Arimatéa chega a recorrer a cálculos matemáticos para demonstrar como é remota a possibilidade do promotor que seria o destinatário de uma “carta anônima” estar presente no mesmo dia da postagem sem que fosse ele o remetente. Para chegar ao resultado, o juiz levou em conta a população e o número de promotores que atuam na cidade. “A probabilidade do acaso de estar na agência, o próprio promotor destinatário dela, é de uma em quatro milhões e duzentas e noventa mil possibilidades. Nesta linha, ressalvando eventual equívoco nos cálculos, o doutor Paulo César Corrêa Borges postou duas cartas contendo denúncias gravíssimas, ofensivas inclusive contra este magistrado, uma delas endereçada a ele mesmo”, diz a sentença.

O OUTRO LADO
O promotor Paulo Borges nega todas as acusações e afirma que o laudo feito pela Polícia Científica não o mostra segurando envelopes e nem fazendo qualquer tipo de postagem. Ele disse que esteve nos Correios para tirar o CPF de seus dois filhos. Apresentou recibos que comprovariam sua versão (veja mais nesta página). Sobre a coincidência da sua ida ao Correio ter acontecido na mesma data em que houve a postagem da “carta anônima”, Paulo Borges prefere não arriscar hipóteses. Insiste apenas que sua ida teve “finalidade específica” e que as análises de probabilidade feitas pelo juiz Arimatéa não se aplicam.

O Tribunal de Justiça confirmou que o caso é alvo de apuração interna para verificar o que aconteceu e definir medidas que, eventualmente, poderão ser adotadas. A Corregedoria-Geral do Ministério Público alegou que desconhece o caso.

 

Clique aqui e ouça o depoimento do promotor Paulo Borges

Escute aqui o que diz o juiz Arimatéa

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