
O termo “desapercebida”, usado pela colunista deste Comércio, Lúcia Helena Brigagão em seu texto Patranha! Peta! Potoca! (leia em <a target="_blank" href="http://www.comerciodafranca.com.br/materia.php?id=47715">aqui</a>), chamou a atenção de leitores sempre preocupados em que erros sejam banidos deste jornal.
Segundo alguns desses nossos atenciosos colaboradores, “desapercebida” não podia ter sido a opção de Lúcia para compor a frase “Sabe gente boazinha? Aquele tipo de pessoa que ri mansamente, passa quase sempre desapercebida, não fala alto, parece discreta, tem olhar errante?”. Discordo. Quem escreve textos autorais tem liberdade literária. Pode até cometer deslizes, desde que não comprometa a condição pedagógica que, como jornalistas, temos que perseguir quando escrevemos. Não podemos escrever errado, para não “ensinar” errado.
Quem escreve confia quase sempre em sua memória fotográfica para definir o uso das palavras. “Desapercebida” foi utilizada por Lúcia e eu, como seu editor, respeitei. Quando tenho dúvida sobre a difícil língua portuguesa, não invento. Vou a bons dicionários e a boas gramáticas, mas não precisei recorrer a pesquisas para “aprovar” a palavra que Lúcia escolheu. Eu próprio a utilizo, em meus textos e em minhas falas.
O conhecimento da língua portuguesa – das mais difíceis e complicadas do mundo – remete meios de comunicação a produzirem Manuais de Redação, engessando a forma e a situação em que determinados termos e vocábulos devem ser utilizados. Cá neste Comércio, que prepara seu próprio Manual de Redação para breve, vivemos sentados sobre dois compêndios bem apanhados, detentores de prêmios e competência: o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e o VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras. Dúvida – e repito que apesar de tratar com textos no dia a dia a incontáveis anos, temos, sim!!! –, se existe, a ordem é ir direto ao “pai dos... curiosos e interessados”.
Pois bem. Editei o texto de Lúcia e o publiquei. Ontem, ao checar os e-mails de nossos conselheiros, lá estava um assinado pelo médico Plínio Cantieri Murta Vieira, contendo lição de humildade para todos os que acham que sabem tudo e, confiantes no que acham que sabem, cobram sem pensar.
Falava exatamente sobre o “desapercebida” do texto de Lúcia. Vou reproduzir a mensagem. Fala por si só: “Amigos Conselheiros do GCN e Sra. Lúcia Helena Maniglia Brigagão. Assim que li seu texto, por alguns segundos, achei que nossa acadêmica poderia estar furiosa com a palavra ‘posta’ de maneira errada em seu artigo: ‘desapercebida’. Esta palavra, quando a aprendi, significava ‘sem dinheiro’ ou algo do tipo. Antes de qualquer atitude intempestiva, pedi ajuda ao Mestre Houaiss e encontrei: ‘Desapercebido: adjetivo – 1 - que não está preparado, sem munições, provisões; desaparelhado, desmunido. Ex.: exército d. 2 - que está distraído, desacautelado, descuidado, desprevenido. Ex.: viu-a d. e roubou-lhe a bolsa. 3 - não percebido, não observado; despercebido. Ex.: evolução d. aos cientistas. 4 - que não se sentiu, despercebido. Ex.: picada d. Gramática e Uso – Os parônimos desapercebido e despercebido foram objeto de censura purista, acoimados de falsa sinonímia (na acp. 3), mas o emprego desses vocábulos como sinônimos por autores de grande expressão tornou a rejeição inaceitável’. Fui a “despercebido” e achei: “Despercebido: adjetivo – 1 - que não se percebeu, não observado, não notado. Ex.: mudanças d. 2 - que não se sentiu. Ex.: arranhão d.”. Ainda bem que fui tirar minha dúvida. De outra forma tomaria uma bronca enorme da professora Camila (também integrante do Conselho de Leitores), da própria colunista, de Joelma (editora-chefe do Comércio), Sônia e Júnior, sem falar do nosso puxador de orelhas oficial, Luiz Neto. Fica a dica: mesmo que tiver certeza absoluta, não se intimide em procurar o dicionário... Bom dia a todos. Plínio”.
O conselheiro disse tudo. Se o título Patranha! Peta! Potoca! chamou ainda mais atenção aos sempre excelente textos de Lúcia (tenho um orgulho danado de “meus” colunistas, todos com muito a dizer e que sabem mesmo o que e como dizer), certamente garantiu também que “desapercebida” não passasse “despercebida”... Ou é o contrário?
Debates sobre a língua portuguesa bem escrita e corretamente interpretada são extraordinariamente importantes neste tempo em que a maioria dos jovens escreve(?) um terrível internetiquês que suprime sílabas, inventa termos (afinal, depois do ex-Ministro Rogério Magri e seu “imexível”, tudo se tornou possível...), arrebenta com a norma culta e só é decifrada por seus iguais. O assunto persistiu. Um leitor, também nos cobrando sobre o “desapercebida”, pediu a que tivéssemos mais cuidado com o “portugues”, grafado assim mesmo. Não seria com o “Português”?
Olavo Bilac, poeta, republicano e nacionalista, que escreveu a letra do Hino à Bandeira e foi membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, previa desde bem antes de morrer em 1918 que a língua portuguesa seria mesmo, causa de amor e ódio: “Última flor do Lácio, inculta e bela / És, a um tempo, esplendor e sepultura...”.
<b>GENTILEZA</b>
Agradeço Carlos Guaraldo, de Calçados Frank, indústria de sapatos finos de couro, pela delicadeza que me fez à véspera do Top of Mind. Surpreendeu-me com um legítimo verniz preto, cinto igual, produzido, segundo ele, para que completar a vestimenta a rigor do mestre cerimonialista do Top of Mind. Não sei o que dizer. Não costumo – e faço disso uma praxe de minha vida profissional – misturar exercício de trabalho e causas pessoais. Uma coisa não combina com a outra. Carlinhos me venceu por seu cavalheirismo. Sei que ele não espera esta nota. Há pessoas que são gentis e ele é uma destas. Foi também desta forma que calçou os integrantes da Orquestra Sinfônica de Franca.
<b>Luiz Neto</b>
<i>Jornalista, editor de Opinião do Comércio</i> luizneto@comerciodafranca.com.br
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