
Sentado em uma barraca, sozinho, de cabeça baixa e mexendo no celular. Esse era o estado do engenheiro civil Flavio Roberto Garcia, 53, que há um mês está acampado em frente a EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes do Exército), em Campinas.
Flavio foi um dos poucos do movimento a aceitar a presença da reportagem no local na manhã desta quinta-feira, 1º. Com simpatia, ele abre a barraca e a vida, e conta os motivos que o levaram a largar o conforto de casa para ‘extravasar a angústia’ criada pela derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas urnas.
“Desde o dia 30 de outubro (resultado da eleição), eu tive uma agonia danada, e precisei ‘desforrar’ em alguma coisa e vim pra cá. Aí encontrei o pessoal montando o acampamento por aqui e decidi ficar”, conta inicialmente.
Enquanto fala, as mãos são inquietas. O semblante marca a expressão de cansaço. Dentro da barraca, uma cama improvisada e algumas mochilas servem de mobília.
Segundo o engenheiro, a política faz parte de sua vida desde a infância. Filho do ex-vereador de Campinas, Antônio Garcia (MDB), ele cita como marcas da sua angústia a suposta ‘fraude nas urnas eletrônicas’ e, nas palavras dele, o "mau caratismo de Lula".
“Quando você viveu uma vida toda em cima de regras e depois você vê que essas regras foram jogadas no lixo por causa de poder, em detrimento do seu sofrimento, da derrocada das leis e da colocação de uma pessoa que nunca teve caráter, vem esse sentimento de raiva”.
Na primeira semana, Flávio fazia o trajeto entre a Escola de Cadetes e a casa, na região do Taquaral, quatro vezes por dia, até se consolidar como ‘residente’ do movimento.
Em casa, ele deixou os pais de 78 (pai) e 74 (mãe) anos, que diz apoiarem a aventura em frente ao quartel.
Fora da militância política, Garcia tem uma vida consolidada e estável. Engenheiro formado pela PUC Campinas, atuou por 11 anos no corpo de engenharia da USP (Universidade de São Paulo). Atualmente, trabalha como autônomo em certificação de imóveis. Os anos trabalhando próximo ao poder público também contribuíram para o ‘cansaço’ do sistema político.
“Como eu posso realizar meu trabalho remotamente, eu posso estar aqui. Ir lá, cantar o hino todos os dias, rezar o pai nosso e gritar ‘SOS forças armadas’, dar oxigênio ao movimento”, comenta.
Pensar em desistir? Sim, Flávio pensa diariamente. Mas para ele, a solidariedade dos companheiros o motiva, a ponto de sofrer a fúria dos temporais que atingiram Campinas na última semana.
Durante o dia, para passar o tempo, além do trabalho, ele gosta de acompanhar o noticiário. O meio utillizado é o Youtube.
“Eu gosto muito de ver os comentaristas de Revista Oeste, que eram da Jovem Pan. Hoje em dia não dá para saber em quem confiar, mas eu vejo as notícias pelo celular”.
Ir embora, nas palavras de Flávio, só quando Bolsonaro disser isso: “eu só saio daqui quando o presidente Bolsonaro me falar que para ir embora, que ele vai nos ajudar e que tudo vai ficar bem. Antes disso, não”.
De chegada
Quando a reportagem saia da barraca de Flávio, Osvaldo Roberto Bruno, 68, subia a avenida Papa Pio XII, rumo ao portão da EsPCEx. Com uma cadeira de praia em uma mão e a bandeira do Brasil na outra, o aposentado parou e contou a ‘nova rotina’. Ele sai diariamente de Hortolândia e passa 13 horas no local.
“Eu poderia estar curtindo a minha aposentadoria, mas tô aqui ‘lutando pela liberdade’. Todo os dias chego aqui por volta das 9h e fico até às 22h. Minha esposa sai do trabalho e vem para cá também, depois nós vamos embora juntos”, relata.
A rotina só muda aos domingos. Evangélico, Osvaldo volta mais cedo para casa para ir à igreja, no Parque Odimar.
“Estou esperando os caras tomar uma providência. Já não acredito em STF, em congresso em nada. Então, o que resta é o exército meter o pé na porta e tirar esse povo daí (sic)”, disse.
O medo de Osvaldo é que o Brasil "vire uma Venezuela", medo que ele conclui pontuando: “aqui no Brasil não vai dar certo não”.
Assim como Flávio, Osvaldo diz que só vai embora ao sinal de Jair Bolsonaro, ou após golpe militar, o que ele chama de "resolver a situação".
Questionado sobre um passatempo para encarar as 13 horas, Osvaldo diz que se motiva pelos amigos: “O passatempo é bater papo, conhecendo os amigos, trocando informação. A gente descontrai um pouco, fala da infância”.
Por fim, Osvaldo conclui que tem fé na graça Deus, que para ele está do lado dos manifestantes. Ele se despede e segue.
Reivindicações
Tanto Osvaldo quanto Flávio relatam que estão ali "pelo Brasil", embora não definam com clareza a expressão.
Uma outra mulher, já com certa idade, abordou a reportagem incomodada pela presença. Ela pediu identificação da equipe, mas não quis se identificar: “meu nome é patriota brasileira”.
A chegada da senhora despertou o receio de outros manifestantes, que chegaram até a reportagem e pediram para que se retirasse.
“Não tire foto das nossas barracas nem de ninguém aqui. A gente não gosta e não quer”, mandou um homem irritado.
Um rapaz um pouco mais calmo tentou justificar a irritação do companheiro: "não tem o que fazer, a imprensa vem aqui e mente muito sobre tudo".
Aos poucos, a reportagem foi sendo cercada por vários deles, que falavam mal da imprensa e pediam todas as identificações possíveis. Por fim, a reportagem saiu do local.
Sistema
Os manifestantes criaram uma rede de manutenção do acampamento.
Em uma tenda em frente ao colégio militar, eles servem água, alimentos e frutas. Um local improvisado serve de banheiro.
Os gastos são supridos por doações, tanto de dinheiro quanto de mantimentos.
A cada 40 minutos, religiosamente, eles se reúnem em frente ao portão do colégio para cantar o hino nacional, rezar um 'pai nosso' e entoar o grito de ordem: "SOS Forças Armadas".
Sem saber muito quando e para onde ir, o acampamento sobrevive, a resultados políticos e fenomenos naturais.
Comentários
1 Comentários
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Jordan 02/12/2022Bela reportagem! Bastante curioso a vida e as ideias/convicções dessas pessoas.