Foste em silêncio a grande dádiva dos que almejam pensar as dores e alegrias que a vida traz.
Ilusão seria pensar a vida sem preparo para a morte, quase uma cisão que desconsidera o quanto as coisas acontecem nas incertezas, sem garantias, onde as frustrações tentam encontrar justificativas para atender o nosso de desejo de alegria constante sem compreender o benefício da dor.
Enquanto a morte é, vezes temida e incompreendida, enquanto em vida, ela nos prepara desenhando, costurando nossas vivências que vão dando contorno em como nos preparamos quando os dias difíceis chegam.
Olhar para o dia da morte pode ter muitos significados. No momento, me parece um tanto contraditório impor apenas um sentido quando, a palavra morte, além de compor a frase, é mais do que ela própria, e diz respeito ao tempo e ao seu grandioso significado.
Tempo é o que precisamos para entender as coisas, e sempre nos dá a ideia de maturação, entendendo mais profundamente o sentido das coisas.
Pensar no que está além vem depois do que foi construído, e para além da morte, deixamos lembranças que, enquanto estávamos vivendo, apreendíamos seu próprio legado.
Quando nos deparamos com a morte, tentamos encontrar qualidades de quem está a vivê-la que ressignificam nossos próprios conceitos da experiência do viver e morrer.
Pessoas morrem jovens, velhas, e mesmo assim, continuam a nos demonstrar o quão ela é sempre um mistério.
Freud introduziu a ideia de que a morte não é apenas um evento biológico, mas uma experiência psíquica que se manifesta no luto e em nossa relação diária com a finitude.
Simbolizar e elaborar a perda leva tempo, e envolve lidar com a falta para depois ser capaz de reencontrar novos caminhos para o próprio desejo que, até então, estava direcionado para quem se foi.
Portanto, enquanto o trabalho do luto segue seu próprio caminho, simbolizar é o que ajuda aos que ficam, entendendo que, enquanto elaboram suas fantasias conscientes e inconscientes que foram ativadas na perda, deverão encontrar um novo sentido para, enfim, reequilibrar suas forças em busca de novos sentidos onde as memórias deixarão vivas todas as experiências e lembranças que foram construídas com quem se foi.
A morte nunca é um fim, mas quando ela se aproxima e se faz despedir da vida, dilui-se em vivências do plano existencial na revivência do amor que, quando transformado da dor por uma ausência, permanece para nos lembrar o quanto somos nada, e o quanto o amor pode tudo, porque no fim, o que fica é a lembrança de tudo o que realizamos, e o quanto amamos, será a grande oferta deixada com carinho para quem ficou no vazio, enquanto sofre a partida de quem se foi. O resto se dilui.
Aos que enterram os seus, aos que enterram seus filhos.
Música "Tempo Rei" com Gilberto Gil.
(Gil Luminoso, voz e violão).
A autora é psicanalista, especialista pela USP – Departamento de Psicologia, Psicóloga Clínica, formada pela USC, responsável pelas páginas Cinema e Arte no Divã e Auguri Humanamente.