OPINIÃO

Do jeitinho à autonomia — o Brasil como adolescente ético

Por Wellington Anselmo Martins | O autor é doutorando em Educação para a Ciência (Unesp-Bauru)
| Tempo de leitura: 3 min

O "jeitinho brasileiro" é, na superfície, um desvio. Mas como todo desvio, também é um sinal vital. O que se interpreta como caos anárquico, resistência às regras ou simples esperteza social, talvez seja — em profundidade — o esboço confuso de uma vontade de liberdade, de criatividade, de vida espontânea, ainda não moldada por maturidade ética. Somos um povo adolescente: dramático, sensível, afetuoso, rebelde. Mas também amoroso, artístico, sonhador.

A crítica ao nosso ethos cotidiano — a indisciplina, o desprezo pelas regras, o culto ao improviso — precisa vir acompanhada de uma esperança radical na transformação educativa. Como propõe Habermas, a autonomia não é um ponto de partida; é um projeto coletivo, forjado no diálogo, na escuta, na construção racional entre sujeitos livres. Ela não nasce pronta, como não nasce pronto nenhum adulto. A autonomia precisa ser educada.

A tradição de pensamento que liga Kant, Piaget, Kohlberg e Habermas compreende que todos os seres humanos têm notável potencial moral. O que os diferencia é o quanto foram convidados ao exercício do pensar ético, o quanto foram ouvidos enquanto agentes racionais. O jovem, o adulto, o cidadão — todos podem alcançar um nível elevado de reflexão moral, desde que não sejam tratados como incapazes, mas como interlocutores possíveis do debate humano universal.

Kant nos ensina que a autonomia é obedecer à lei que a própria razão aprova — em diálogo com a razão do mundo inteiro e de toda história. Piaget vê como possível e desejável a passagem da obediência cega à cooperação moral. Kohlberg descreve os estágios de desenvolvimento da pessoa humana como degraus que podem nos elevar até o pensamento ético universal. Habermas, herdeiro crítico de toda essa tradição de pensadores, propõe o discurso entre iguais como base da legitimidade. Nenhum deles ignora que o mundo está cheio de Eichmanns extremistas — pessoas que se recusam a pensar moralmente, de modo crítico e criativo. Mas todos eles apostam no projeto da educação moral e democrática.

O Brasil, com seu jeitinho, sua desobediência afetiva, sua informalidade normativa, parece longe disso. Mas essa bagunça, esse sentimentalismo rebelde, pode ser uma matéria-prima poderosa. A anarquia social de hoje pode se converter em liberdade responsável amanhã. A esperteza que hoje serve à corrupção pode ser reciclada em inteligência social, em criatividade moral, em empatia democrática.

É claro: o caminho não é curto. Um povo que desacata professores e desconfia das leis precisa ser educado com firmeza e respeito. Não há atalhos para a ética. Mas há pontes possíveis entre a paixão juvenil do povo brasileiro e a razão pública que constrói a democracia. O que nos falta é uma pedagogia do amadurecimento: menos repressão e mais convocação filosófica ao pensar — melhores escolas, famílias, mídias, etc., trabalhando todo dia pelo desenvolvimento de pessoas e grupos.

Somos, talvez, uma nação ainda em estágio de desenvolvimento moral. Mas ser adolescente não é fracasso. É condição de quem ainda pode crescer. Que venham mais escolas, mais diálogo, mais escuta, mais filosofia. Que o jeitinho se converta — quem sabe — em um jeito autêntico, criativo e ético de viver em comum. Porque não há democracia sem sujeitos autônomos. E não há sujeitos autônomos sem educação de qualidade.

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