
Com quase cinco décadas de experiência, o técnico em ótica e optometrista André dos Santos Rodrigues Neto, 64 anos, é referência no setor ótico de Bauru. Sócio-proprietário da ótica A Oculista, ele iniciou sua trajetória aos 17 anos como office-boy na antiga Ótica Iguatemi para custear um curso técnico em eletrônica.
Lá, encontrou sua verdadeira vocação. Encantado pela precisão do ofício, começou como aprendiz, evoluiu como autodidata e tornou-se especialista na montagem e ajuste de lentes. Sempre em busca de excelência e inovação, não só vivenciou, mas ajudou a impulsionar a profissionalização do setor em Bauru, bem como a incorporação das mais modernas tecnologias para a confecção de óculos - o que, invariavelmente, auxiliou milhares de moradores da cidade a enxergar melhor.
Nascido em Bauru, Neto fundou A Oculista em 1994 em seu retorno à cidade após uma breve passagem por Londrina. O início não foi fácil mas, com persistência e fé, consolidou o negócio. Católico, é guiado por ensinamentos que prezam o respeito e a empatia e valoriza a convivência com as pessoas, em especial os filhos Sergio e André, o neto Frederico e os amigos, para quem adora cozinhar.
Nesta entrevista, ele revive sua trajetória, exalta o vínculo entre dedicação e êxito, fala do amor pela profissão e pela família e revela traços de sua personalidade marcada, ao mesmo tempo, pelo rigor e pela sensibilidade. Leia os principais trechos.
JC - Como é seu trabalho?
Neto - Os laboratórios fornecem as lentes em formato circular, então, meu trabalho é centralizar seu eixo, fazer o recorte e colocá-las na armação. Hoje, isso é feito com auxílio de aparelhos: a centralização é conferida em um, outro copia o modelo da armação, um terceiro corta. Mas, quando comecei, há 48 anos, era uma máquina como um esmeril. A gente lixava manualmente a lente, que não era de policarbonato ou acrílica como hoje. Era de cristal, pesada, então, a dificuldade era bem maior e com muito mais perdas por quebra do material.
JC - Como começou na área?
Neto - Aos 17 anos, decidi fazer curso técnico em eletrônica, que só tinha na rede privada. Então, para pagar meus estudos, fui trabalhar como office-boy na Ótica Iguatemi. Comecei a gostar e, como demonstrei interesse, me colocaram para fazer um estágio de três meses na matriz, em Marília, e passei a trabalhar com ótica. Concluí o curso de eletrônica, mas nunca atuei na área. Fiquei 18 anos na Iguatemi e trabalhei para as quatro filiais que havia em Bauru.
JC - Você foi autodidata?
Neto - Tinha, como tenho até hoje, muito interesse em estudar sobre ótica. No início, ninguém tinha formação, eram montadores óticos que ficavam o dia todo dentro de uma oficina. Então, eu aprendia com o profissional na ótica e ia atrás de mais informações em apostilas que conseguia com colegas, revistas especializadas com as novidades que tinham chegado em São Paulo, Rio de Janeiro. Com isso, pude começar a interferir um pouco na área comercial da empresa, mostrando o que podia ser melhorado. Com o tempo, fiz curso de técnico em ótica em Ribeirão Preto e, em 2006, curso de optometria, além de participar de palestras para aperfeiçoamento profissional.
JC - Avalia que sua iniciativa contribuiu para o avanço tecnológico das óticas da cidade?
Neto - Havia outras óticas se movimentando, já com profissionais que respondiam pela área técnica, inclusive com contato com os clientes. Como eram respeitados pelos oftalmologistas, corri para alcançar o mesmo nível e, em determinado momento, conseguimos até chegar a um patamar acima. Tive êxito profissional e me tornei respeitado no meio por sempre executar tudo da melhor maneira possível e continuar estudando, algo de que tenho muito orgulho e é minha herança aos meus filhos.
JC - Em que momento decidiu abrir sua própria empresa?
Neto - Quando estava casado, minha ex-esposa e eu trabalhávamos na Iguatemi e fomos deslocados para atuar na região de Londrina, ela na área de vendas e eu, na técnica. Ficamos dois anos e meio lá com os filhos pequenos, longe das famílias e ter o próprio negócio foi uma forma de conseguir voltar a Bauru. Montamos a loja em 1994 na Duque de Caxias e, no começo, foi muito difícil, porque pagávamos muito imposto. Chegamos ao ponto de quase desistir, mas depois de alguns anos, houve uma mudança na legislação - que parecia ajuda de Deus - e começamos a crescer. Há aproximadamente dez anos, passamos a atender na quadra 15 da Gustavo Maciel e somos sócios até hoje.
JC - O que gosta de fazer quando não está trabalhando?
Neto - Sou muito calmo e busco a excelência em tudo o que faço, então, o trabalho toma bastante tempo. Mas sou católico, vou à missa aos domingos e busco colocar em prática a mensagem de Deus, ter mais compreensão pelo outro, tratar bem as pessoas. Faço caminhadas praticamente todas as manhãs para continuar com saúde para trabalhar e viver o máximo possível com meus filhos e meu neto, que moram longe. Um filho está em Goiânia e o outro, em Campo Grande. E. como Deus já levou meus pais e meus quatro irmãos, uma forma de Ele repor são as pessoas que cruzam meu caminho. Alguns se transformam em amigos e nos reunimos de vez em quando, adoro cozinhar e recebê-los em casa. São coisas que me fazem bem e me deixam em paz.
JC - Tem algo que gostaria que as pessoas soubessem sobre você?
Neto - Tem algumas reflexões que me emocionam e busco praticar. Uma é que 'há pessoas erradas que nos encontram em paz e nos deixam em pedaços e pessoas certas que nos encontram em pedaços e nos deixam em paz'. Outra, do poema Desiderata, usei muito quando dava treinamentos a jovens profissionais que montavam óculos nas lojas da Iguatemi da região: 'aceite com carinho o conselho dos mais velhos, mas seja compreensível aos impulsos inovadores da juventude'. A busca pela prática destes ensinamentos é algo de que gosto em mim.