
O governo Suéllen Rosim (PSD) decidiu anular uma licitação de R$ 48 milhões anuais para contratar plano de saúde aos servidores da ativa e aos aposentados após a Procuradoria Jurídica da administração apontar indícios de direcionamento no certame - dos três participantes, dois pertenciam ao mesmo grupo econômico.
A medida põe em risco o benefício do funcionalismo - que pode perdê-lo temporariamente ante o término do contrato do plano de saúde atual, que vence já no mês de julho. Em nota, o governo disse que "o caso será analisado pela Secretaria de Administração e pelo Jurídico da prefeitura".
O argumento que embasa o parecer já havia sido analisado e descartado pela administração em sede de impugnação ao edital formulada por uma operadora de saúde situada em Londrina.
Inconformada, a empresa peticionou diretamente na Secretaria de Negócios Jurídicos (SNJ) pedindo a anulação do certame em fase já posterior ao término da licitação, que estava em vias de ser homologada.
O caso caiu nas mãos da procuradora Marisa Botter Gebara, que concordou com as alegações em parecer que data de 17 de junho. A notificação pela intenção de revogar a licitação foi publicada dois dias depois (19).
Segundo o parecer, o edital contém uma série de problemas que restringiam os princípios da ampla concorrência e davam margem ao direcionamento do certame. O fato de apenas três empresas terem participado do certame evidencia a irregularidade, afirma.
"Com efeito, observa-se que apenas três empresas participaram da licitação, sendo que duas delas pertencem ao mesmo grupo econômico. Tal circunstância indica uma concentração atípica de concorrência, incompatível com o vulto econômico da contratação, cujo valor estimado anual ultrapassa R$ 48 milhões", diz trecho do parecer a cujo teor o JC teve acesso.
O cerne da questão envolve dispositivos do edital considerados ilegais pela Procuradoria. O principal deles envolve a exigência de que o vencedor tivesse ao menos 10% do valor do certame em patrimônio líquido.
Essa condição está prevista na Lei de Licitações - segundo a qual, porém, dispositivos nesse sentido devem estar devidamente justificados e fundamentados. "Analisando o procedimento licitatório, esta subscritora não pôde localizar a indicação de justificativa à fixação do percentual mínimo, o que, em princípio, representa vício a ser coibido", menciona o parecer.
"A ausência de justificativa técnica para os índices fixados aparentemente não se configurou apenas uma falha formal, mas teve reflexo direto na restrição da competitividade do procedimento licitatório", emenda. "O vício em questão afigura-se, salvo melhor juízo, insanável", acrescenta.
Ainda segundo o parecer, "diante do elevado valor de contratação e do amplo universo potencial de prestadores, tal número de participantes não é condizente com o princípio da ampla competitividade, especialmente diante da ausência de demonstração de risco econômico que justificasse a exigência do patrimônio líquido".
SERVIDOR SEM PLANO
A anulação do certame tem reflexo direto sobre o atual plano de saúde dos servidores, gerenciado pela Hapvida - que lidera o grupo econômico ao qual pertencem duas das três participantes no certame -, cujo contrato vence já no mês que vem, em julho.
O contrato atual, assinado em 2019 ainda durante o governo Clodoaldo Gazzetta (2017-2020), foi objeto de 10 termos aditivos que elevaram o valor global da negociação a R$ 208 milhões. O contrato em tese venceria no ano passado, mas foi prorrogado emergencialmente por mais um ano no final de junho de 2024 - medida prevista pela Lei de Licitações.
O governo, porém, somente abriu a licitação para adquirir novo plano no final de maio deste ano, a menos de dois meses do término da negociação vigente.
A notificação de anulação do novo pregão prevê invalidar todos os atos posteriores à publicação do edital. Em termos práticos, isso significa que a administração invariavelmente deverá preparar nova licitação - o que estende o problema pelo menos até agosto, segundo estimativas de interlocutores do governo ouvidos pela reportagem.