OPINIÃO

Voar alto com os pés no chão

Por José Marta Filho | O autor é professor
| Tempo de leitura: 2 min

Tem gente que diz que sonhar é coisa de quem tem tempo sobrando. Mas, convenhamos: viver sem sonho é como assistir série com internet caindo — não dá! Só que sonhar, por si só, não paga boleto, não cria empreendimento e não garante cafezinho na mesa. Aí entra a sabedoria popular, esse oráculo da sobrevivência brasileira: voar alto, sim, mas com os pés no chão.

É bonito querer mudar o mundo, lançar startup, ganhar o Nobel da Paz, fundar ONG e ainda fazer yoga às 6h da manhã. Mas se a gente não estiver com a casa e os carros pagos, o Passaporte renovado e um plano B (e C, e D...), o voo vira queda. Voar alto com os pés no chão não é contraditório — é estratégia de gente esperta.

Quer exemplos? Vamos lá. Quando era criança em Bauru, Ozires Silva ouviu seu professor contar a história de Santos Dumont. Inspirado, levantou a mãozinha e perguntou: "E por que a gente não faz um avião brasileiro?" A sala inteira caiu na risada. Mas ele não. Levou a pergunta a sério. Anos depois, se formou engenheiro no ITA, liderou o projeto do Bandeirante, e fundou a Embraer — uma das maiores fabricantes de aeronaves do mundo. Ozires voou alto, muito alto, mas com projeto, equipe, cálculos e muito trabalho no chão firme da realidade.

E tem gente mais perto do que você imagina. Conheço uma pessoa, filho de pais analfabetos, que um dia, ainda menino, pensou: "Se alguns conseguem crescer na vida pelo estudo, por que eu não posso?" Hoje ele e todos de sua família são doutores em Universidades respeitadas como Harvard, Unesp e USP. Não foi mágica, nem sorte de novela. Foi esforço diário, tropeço, caderno cheio e pé no chão — bem no chão — mesmo quando a cabeça já sonhava lá longe.

É disso que falamos. Daquela coragem que não ignora os obstáculos. Da vontade de construir o novo, sem desprezar o básico. Voar alto com os pés no chão; é não se iludir com likes e lembrar que, na vida real, o sucesso vem de uma mistura meio agridoce de esforço, frustração e um tiquinho de sorte.

Aliás, voar com os pés no chão é também lembrar que ninguém constrói foguete sozinho. Tem equipe, tem revisão de rota, tem noite mal dormida e chão — esse mesmo chão que não prende, mas dá impulso.

Então, "bora" continuar mirando o céu, fazendo planos, sonhando grande. Mas, por favor, antes de abrir as asas, confere se o sapato tá amarrado.

Porque, no fim das contas, o voo mais bonito é aquele que não se esquece de onde veio, pra saber direitinho pra onde vai.

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