OPINIÃO

O primeiro grito de Carnaval

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista e articulista do JC

No Seminário do seu partido (PL), Jair Bolsonaro desdenhou do relatório de 272 páginas do procurador-geral da República Paulo Gonet, que o denuncia por ter liderado uma tentativa de golpe depois de derrotado por Lula, em 2022. "Estou tranquilo. Caguei para a prisão". A escatologia do ex-presidente ofende a Justiça, a derradeira "defeccacio".

Seus futuros julgadores da Suprema Corte, nem podem reclamar. Foram os primeiros a espinafrar a Lava-Jato. Para defender Bolsonaro, basta lembrar o processo de Antônio Palocci. Aquele que detalhou, por livre e espontânea vontade, os crimes que praticou durante o governo Lula. Todos os envolvidos na Lava-Jato, "grande vitória na luta contra a corrupção", hoje estão livres, leves e soltos. Bilhões de reais do propinoduto foram devolvidos. O produto do roubo existe, mas os ladrões estão soltos por causa de filigranas processuais. Com os crimes prescritos, resta ao Estado devolver aos inocentes corruptos o que eles entregaram sob coação.

Com as minhas retinas cansadas, vi na tevê o ministro Alexandre de Moraes advertir Mauro Cid. O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, teria que refazer a delação das tratativas do golpe, sem omissões de fatos correlatos ou "mentiras". Dizia o ministro, do alto da sua cátedra para o depoente em plano inferior, nervoso e suando nas mãos: "Se não cumprir o acordo, o senhor vai ser punido, juntamente com sua família, sua mulher e seus filhos". A técnica persuasiva levou à desgraça o juiz Sérgio Moro, o procurador Deltan Dallagnol e a própria Lava-Jato. Gilmar Mendes tem reclamado do abuso das prisões "temporárias" demoradas. O tenente-coronel Cid, se não ultrapassou, já está perto dos 580 dias do Lula encarcerado.

Para analisar a peça acusatória, o ministro Alexandre Moraes, como relator do inquérito, prefere que esse trabalho se restrinja à Primeira Turma da Corte, da qual é membro. A pergunta que se faz é se Moraes, mesmo sendo vítima, terá isenção para julgar com imparcialidade. Réus da pretensa ação punitiva podem ser apenados a até 43 anos de reclusão. Moraes, Lula e Alckimin estavam "marcados para morrer" no conluio dos golpistas.

Bolsonaro tem o álibi para provar sua inocência na tentativa de golpe que, para seus seguidores, não passou de uma manifestação de baderneiros. O capitão estava na Disneylândia, tentando recuperar a infância perdida. O Pato Donald e Mickey são testemunhas. A questão das joias presenteadas pela Arábia Saudita, e vendidas em Miami por 86 mil dólares, será neutralizada porque não passam de objetos de uso pessoal. A Presidência da República nem tem protocolos que obriguem que esses mimos sejam incorporados ao patrimônio nacional. Lula usa um Patek Philippe que ganhou dos árabes na primeira gestão. O certificado falso de vacina contra a Covid, Bolsonaro pode alegar que não pediu e nem ele e sua filha dele se utilizaram. Sobrará, se tanto, uma multa de trânsito por transitar sem capacete nas motociatas.

O julgamento de Bolsonaro e de outros 33 denunciados será um dos mais importantes da história do Supremo Tribunal Federal. Estarão envolvidos, além do ex-presidente, quatro ex-integrantes do Alto Comando do Exército, um ex-comandante da Marinha, quatro ex-ministros, assessores e oficiais militares da ativa ou da reserva. Na Sala Magna da Suprema Corte, ministros, procuradores e defensores farão discursos quilométricos cumulados de muita vaidade, doutrina e erudição. O país estará em clima de Copa do Mundo. Preferimos a imagem à coisa, a representação à realidade. A ilusão é sagrada. A verdade é profana. Enquanto isso, deputados e senadores providenciarão uma nova Lei da Ficha Limpa e a Lei da Anistia, e todos serão salvos. Feliz Carnaval! "Quanto riso, oh! Quanta alegria!"

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