ENTREVISTA

Victor Hugo Souza Hortense; A arte de curar almas

Por Tisa Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 5 min
Tisa Moraes
Victor Hugo Souza Hortense
Victor Hugo Souza Hortense

Filho de uma ginecologista e um neurocirurgião, o psiquiatra Victor Hugo Souza Hortense, 33 anos, cresceu imerso no ambiente da medicina, ao mesmo tempo em que desenvolvia habilidades artísticas - particularmente, no desenho, que tornou-se um hobby. Na juventude, passou a 'devorar' livros sobre filosofia e psicologia, ao mesmo tempo em que preparava-se para iniciar a graduação em medicina.

Formado, manteve o plano inicialmente estabelecido: o de seguir os passos dos pais, Marilene Alicia Souza Hortense e Pedro Geraldo Hortense, e fazer residência em uma especialidade cirúrgica ou clínico-cirúrgica. Chegou a concluir a de cirurgia geral com a meta de ser cirurgião plástico, mas, em 2020, tomou a decisão de mudar a rota.

Com uma visão humanizada sobre os pacientes, tornou-se psiquiatra, carreira na qual conta estar realizado. Nascido em Belo Horizonte (MG), Victor cresceu em Bauru, cidade da qual saiu somente em razão dos estudos e onde mantém seus atendimentos.

No consultório, coloca em prática o sentido original da palavra psiquiatria: 'a arte de curar a alma'. Assim, com a mesma sensibilidade com que, ao longo da vida, criou seus desenhos, agora estabelece conexão com os pacientes a partir da convicção de que todo tratamento precisa respeitar as emoções e vivências deles. Nesta entrevista, Victor relembra sua trajetória, fala sobre como exerce a medicina e analisa como a saúde mental tem sido afetada na contemporaneidade.

JC - Com pais médicos, chegou a cogitar uma carreira em outra profissão?

Victor - Minha mãe é ginecologista e obstetra e meu pai, neurocirurgião. Ele fez especialização em Belo Horizonte e, por isso, nasci lá, mas nos mudamos para Bauru quando eu tinha seis meses, porque era a cidade onde ele tinha feito cursinho antes da faculdade e gostaria de morar. Então, passei minha infância e juventude aqui. Como minha família é muito unida, fui bastante influenciado por meus pais. Também tenho uma ligação muito forte com a arte. Desenho desde pequeno, mas não considerei seguir outra carreira que não na medicina.

JC - O desenho ficou como um hobby?

Victor - Sim. Nunca fiz aulas, mas é algo de que gosto. Até a metade da faculdade, inclusive, conhecendo um pouco sobre cirurgia plástica, considerei me especializar na área, porque tinha muito a ver com aspectos artísticos, a simetria, o 'desenhar o corpo' do paciente. Mas, ainda no fim da adolescência, vinha fortalecendo o gosto pela leitura e rapidamente entrei de cabeça em livros de filosofia, psicologia. Quando, no quarto ano da graduação, estudamos sobre psiquiatria, eu me identifiquei bastante, mas acabei me mantendo firme em fazer cirurgia geral para, depois, fazer cirurgia plástica.

JC - Escolheu fazer a graduação onde?

Victor - Estudei na PUC do Paraná, em Curitiba. Tinha 20 anos, estava longe de casa, mas adorei e adoro a cidade, tanto que fiz psiquiatria lá. Mas, antes desta especialização, fiz cirurgia geral na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Desde que entrei em medicina, a intenção era fazer algo em cirurgia, seguindo os passos dos meus pais, porque, desde muito novo, por ser filho único, eu estava sempre próximo, ficava no centro cirúrgico esperando quando eles estavam de plantão e eram chamados no hospital. Então, medicina e cirurgia, para mim, eram a mesma coisa.

JC - Quando decidiu mudar a rota?

Victor - Voltei para Bauru em 2020, primeiro ano de pandemia, já com dúvidas se seguiria na área. Então, fui trabalhar, mas não me sentia realizado. Naquele momento de isolamento, talvez eu tenha sido forçado a pensar ainda mais sobre minhas decisões e entendi que deveria me especializar em psiquiatria. Voltei para Curitiba e me formei no Hospital de Psiquiatria Heidelberg, um complexo bastante conceituado, com atuação em todas áreas da especialidade. E foi a melhor decisão da minha vida. No primeiro dia de aula, senti um alívio gigantesco, porque me encontrei na medicina. Por gostar muito de psiquiatria, estou sempre estudando, fazendo cursos e planos, com a certeza de que, tranquilamente, farei isso pela vida toda.

JC - Como define seu trabalho como psiquiatra?

Victor - Vejo a psiquiatria como algo infinitamente maior do que as doenças do cérebro, o aspecto físico. Ela envolve emoções, alma - até porque psiquiatria, em grego, é 'a arte de curar a alma'. Tenho a certeza de que a psiquiatria precisa ser feita com olhar para o paciente além da doença. Acredito que o tratamento só é possível a partir de uma construção conjunta do profissional com o paciente, respeitando a particularidade, o contexto e os dilemas de cada paciente. E o processo de descoberta de respostas nos atendimentos é muito prazeroso.

JC - O que destacaria como o maior mal à saúde mental atualmente?

Victor - O vício em telas é um tema bem efervescente, já encarado como uma patologia, assim como o vício em jogos online, cada vez mais frequente. Os jovens estão mais expostos e o número dos que chegam ao consultório com quadro de ansiedade, depressão, insônia tem aumentado bastante. É preocupante, mas um dos maiores problemas atuais talvez seja, como sociedade, o grau de busca por desempenho. Uma porcentagem grande dos pacientes que me procuram, de alguma forma, está se sentindo exausta, sobrecarregada por ter de manter um nível de produtividade, por vezes, enorme e que custa sua saúde mental.

JC - Como se sente quando observa a melhora e até a alta de um paciente?

Victor - Nos anos de formação, lidei com paciente que chegou ao extremo, precisou ser internado por dependência química, depressão profunda, tentativa de suicídio ou um quadro psicótico. E ver aquele ser humano ressurgir aos poucos, dar a alta e, depois, acompanhá-lo no consultório bem me faz acreditar no que estou fazendo. Apesar de jovem na área, eu me sinto muito realizado por ter a possibilidade de estudar como melhorar como ser humano e ajudar pessoas.

 O QUE DIZ O PSIQUIATRA

'Entendi que deveria me especializar em psiquiatria e foi a melhor decisão da minha vida'

'Tenho a certeza de que a psiquiatria precisa ser feita com olhar para o paciente além da doença'

'Ver um ser humano ressurgir aos poucos e acompanhá-lo bem me faz acreditar no que estou fazendo'

Victor na época em que era cirurgião
Victor na época em que era cirurgião
Com a avó Maria, a tia Sandra, a mãe Marilene e, sentados, o avô Ideval e o pai Pedro
Com a avó Maria, a tia Sandra, a mãe Marilene e, sentados, o avô Ideval e o pai Pedro
O desenho é um hobby desde a infância
O desenho é um hobby desde a infância
Na formatura de medicina com o avô Ideval, a avó Maria, a mãe Marilene, o pai Pedro e a tia Sandra
Na formatura de medicina com o avô Ideval, a avó Maria, a mãe Marilene, o pai Pedro e a tia Sandra

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