
Muros, quadros, canecas, vasos, mesas, tênis, fachadas de lojas: tudo por ser transformado em arte pelas mãos de Matheus Marques Pinheiro, 33 anos, o Fino. Com estética singular composta por personagens que remetem a extraterrestres, naves espaciais, símbolos mitológicos, formas geométricas, cenários rupestres e seres fantásticos, o grafismo do artista pode ser visto em empresas, viadutos, escolas e até imóveis abandonados.
Nascido em Bauru, Fino, antes de tornar-se referência em street art na cidade, teve uma bem-sucedida trajetória no judô. Aos 17 anos, contudo, abraçou seu maior dom e passou a dedicar-se à arte urbana, que admirava desde a infância.
Hoje, é contratado para colorir e deixar sua mensagem em cantos de cidades do Brasil todo, além de já ter levado sua obra para os programas No Corre, do Multishow, e Papito in Love, da MTV, e ao festival Rock The Mountain, no Rio de Janeiro.
Formado em design, Fino é pai de Manuela, 14 anos, e companheiro de Beatriz, com quem vive com os cães resgatados Frida, Costelinha, Bob e Pluto em uma casa que abriga um de seus murais em preto e branco. Na entrevista abaixo, o artista fala sobre suas pinturas, sobre o trabalho como DJ e professor de street art em colégios e em oficinas de férias, e conta como seus antepassados, a música e os estudos sobre umbanda influenciam sua obra.
JC - Antes de ser artista, você foi atleta. Como foi este período?
Fino - Comecei no judô com quatro anos, no Luso, incentivado pelos meus pais, por ser uma criança hiperativa. Meus pais foram bancários, mas meu pai também foi psicólogo do time de basquete do Luso e minha mãe fez faculdade de educação física. Então, eu fazia vários esportes para gastar energia e me encontrei no judô. Peguei faixa preta, me tornei competidor e fui campeão brasileiro e tricampeão paulista. Aos 17 anos, passei em uma peneira do Minas Tênis Clube, que têm estrutura para formação de atletas olímpicos, e fui para Belo Horizonte. Sempre fui disciplinado, mas fiquei duas semanas lá e vi que não queria mais aquela vida extremamente regrada. Queria ser artista. Meus pais ficaram inconformados, mas me apoiaram. São maravilhosos e sou muito grato a eles.
JC - Como surgiu o interesse pela arte?
Fino - Quando meus pais me levavam para a escola, ficava prestando atenção nas artes de rua, chegava na escola e tentava reproduzi-las. Além disso, tenho duas irmãs e a mais velha tinha amigos que faziam grafite e ela me dava muitos livros só com imagens. Meu primeiro grafite foi com oito, nove anos, mas, como estava bem no esporte, a arte ficou em segundo plano. Quando retornei a Bauru, estudei por um ano para o vestibular e passei em artes visuais na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mas voltei para Bauru um ano depois, porque minha filha nasceu e quis cuidar e acompanhar o desenvolvimento dela. Mesmo só com um ano de curso, meus olhos se abriram para muitas coisas. Depois, me formei em design na USC, o que foi importante para eu me aprofundar em um tipo de arte que também envolve design.
JC - Como desenvolveu a identidade da sua arte?
Fino - Parte da minha família tem origem indígena e, logo que voltei de Londrina, fui estudar sobre arte indígena. Peguei referências da arte rupestre, com seres de outras galáxias; dos pontos mágicos de umbanda, que são riscados no chão; e do grafismo indígena, com formas geométricas que remetem a alguns significados na pintura corporal; e fiz uma mescla para criar minha arte. Com este estilo, também consigo fazer caricatura de pessoas. Com o tempo, estes personagens foram evoluindo e, quando estou muito focado, aparecem outros seres que nunca tinha pintado e vão surgindo até hoje.
JC - Como viabilizou financeiramente seu trabalho?
Fino - Também sou professor. Tenho turmas em colégios particulares de Bauru, onde dou um curso anual extracurricular de street art para crianças e adolescentes. Ensino técnicas com uso de sprays, stencils e desenvolvo a arteterapia, na qual a criança tem liberdade para ser quem é através do desenho. Também tenho a renda dos murais de rua, das xilogravuras, serigrafias que vendo pela Internet e de pinturas em estabelecimentos comerciais e residências. Agora, a Beatriz e eu estamos explorando a possibilidade de obter, por meio de programas de incentivo, recursos públicos para fazer exposições e dar aulas em escolas estaduais e municipais. Começamos há um ano e, recentemente, um projeto para uma exposição foi aprovado e ela deve ocorrer em setembro. Além disso, vou abrir um curso em casa para pessoas mais velhas que desejam aprender a pintar e desacelerar o modo de vida.
JC - Faz trabalhos fora de Bauru?
Fino - Em 2023, fiz trabalhos em Tocantins, Rio de Janeiro, São Paulo e, no ano passado, obras minhas foram usadas no cenário do programa No Corre, do Multishow. Também fiz o cenário do reality Papito in Love, do Supla, na MTV, e do festival Rock The Mountain, além de ter feito, há cerca de dez anos, um mural na área de lazer da casa do Fábio Porchat.
JC - O que mais gosta de fazer, além de pintar?
Fino - Também sou DJ. Acredito que a música brasileira e a música eletrônica são uma extensão do que pinto. São trabalhos diferentes, mas, às vezes, os mesclo. Tenho o Clube do Vinil no Voodoo, uma discotecagem democrática que ocorre a cada 14 dias, na quinta-feira, e faço bares, baladas, festas particulares. A religião também é importante. Faço parte do centro de umbanda Instituto Cultural Aruanda (ICA) e, há três anos, estudo para entrar para a corrente e participar dos atendimentos. Tenho levado, inclusive, muito da magia riscada para meus personagens quando sinto que, em um lugar, há uma energia que precisa ser trabalhada.
JC - Que impacto busca provocar nas pessoas?
Fino - Gosto muito de unir frases rápidas ao grafismo, que ajudam a transmitir a mensagem que está sendo passada através dos desenhos. Busco provocar reflexão nas pessoas que estão passando pela rua e, de alguma forma, impactá-las.

