OPINIÃO

Trump, som e fúria

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista e articulista do JC

O presidente Donald Trump provocou uma série de ações na Justiça após assinar decreto que proíbe o acesso à cidadania a filhos de imigrantes ou com visto de permanência temporário, que é o caso de estudantes e turistas.

A medida faz parte de suas promessas de campanha que incluem também a exclusão de pessoas transgênicas das Forças Armadas, a imposição de tarifas alfandegárias mais altas, acabar com a guerra da Ucrânia, reduzir impostos e perdoar 1.600 apoiadores já condenados e presos após invadirem e depredarem o Capitólio, em 2021.

Quanto a imposição de aumento das taxas de importação, ainda falta combinar com os chineses, russos e a União Europeia, que podem adotar o princípio da reciprocidade. Com o Brasil, não há o que mexer, mesmo porque a balança comercial com os Estados Unidos está perfeitamente equilibrada, com ligeiro superavit para os americanos.

O mais chocante, por enquanto, é a questão imigratória. A identidade do país foi forjada na imigração. O próprio Trump é descendente de alemães e escoceses. Sua esposa e hoje primeira-dama Melania, é eslovena naturalizada.

Quem vai a Nova York não deixa de visitar a ilha onde se ergue a Estátua da Liberdade. Era a primeira visão que o imigrante que chegava por mar tinha do Novo Mundo, antes de passar por triagem e quarentena na Ilha de Ellis. Ao pé do monumento, existe uma placa em bronze, de 1912, com versos da Emma Lazarus: "Dai-me os vossos cansados, os vossos pobres, as vossas massas encurraladas ansiosas por respirar liberdade". A gigante bronzeada e chamada de "Mãe dos Exilados" - "Do farol de suas mãos brilha um acolhedor abraço universal". A poeta era descendente de judeus sefarditas egressos de Recife, expulsos daqui com os holandeses. Idos do Brasil, eles se estabeleceram na Ilha de Manhattan, compraram o território dos índios algonquianos em 1626, e a denominaram Nova Amsterdã. O hoje maior centro econômico e cultural do mundo custou apenas o correspondente a 25 dólares, pagos em florins holandeses.

Hoje, 2 milhões de brasileiros vivem nos Estados Unidos, 230 mil em situação irregular e ameaçados de deportação. Nas primeiras horas do governo Trump, mais de 500 imigrantes foram presos, inclusive patrícios nossos. O decreto presidencial foi suspenso temporariamente por um juiz de Seattle. É apenas a primeira batalha de uma guerra envolvendo a questão. A 14º Emenda da Constituição assegura direito à cidadania dos filhos de imigrantes nascidos nos Estados Unidos. Trump defende que quem está "irregular" não gera direitos à descendência.

Como no Brasil, a lei magna norte-americana garante o jus soli (direito de solo), o acesso à cidadania aos nascidos em um território. Independe da nacionalidade dos pais. Contrasta com o jus sanguinis (direito de sangue) das nações europeias. Milhares de brasileiros animam-se a reivindicar cidadanias portuguesa, italiana ou espanhola, atendido o critério de ascendência.

O primeiro "sermão" que Trump levou, pela falta de espírito cristão em sua sanha contra esses desvalidos, veio da bispa episcopal de Washington, Marian Buddle, conhecida pela sua defesa dos Direitos Humanos. Sentado na primeira fila com a esposa, o presidente teve que ouvir: "Em nome de Deus, peço que o senhor tenha misericórdia das pessoas de nosso país que estão assustadas, crianças gays, lésbicas, transexuais e quem não tem documentação adequada para viver aqui. A maioria trabalha, paga impostos, frequenta igrejas, templos, mesquitas e sinagogas. São nossos próximos."

Em um dos clássicos da literatura americana, William Faulkner faz uma crítica violenta ao preconceito racial e à xenofobia na sociedade americana dos anos 1920. O personagem é racista, misógino e preconceituoso. No final do romance, o autor pega uma frase de Macbeth, de Shakespeare: "A vida ...é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada".

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