Constatou-se que o homem que se explodiu na Praça dos Três Poderes, em Brasília, usava uma roupa em alusão ao personagem "Coringa", palhaço que interpreta um psicopata assassino.
Segundo publicou nas redes sociais, seu desejo era o de mandar também pelos ares o STF, com todos os seus ministros. Chegou a fazer uma selfie no auditório da Suprema Corte, com a legenda: "Deixaram a raposa entrar no galinheiro (chiqueiro)." Imolou-se com seus explosivos caseiros, sem lograr sua pretensão.
Bolsonaro é inocente. Nem foi consultado e sequer sabia de antemão dos desejos suicidas do companheiro de partido. Francisco Wanderley Lins, nome do tresloucado, foi candidato a vereador na sua cidade em Santa Catarina, pelo PL, o mesmo partido do ex-presidente. Bolsonaro aproveitou a repercussão do caso para reiterar que o Brasil precisa ser apaziguado politicamente e, a melhor forma de atingir esse objetivo é anistiar todos os envolvidos no 8 de janeiro. O projeto de lei que tramita no Congresso Nacional com essa matéria praticamente se inviabiliza com o atentado. O perdão incluiria o ex-presidente acusado de inspirador da tentativa de golpe.
Há quem ache que o espirito golpista foi valorizado com a eleição de Donald Trump, ou que haverá pressão do novo governo norte-americano pela anistia no Brasil. Alexandre de Moraes nem procura disfarçar sua repulsa a semelhante ideia: "Não existe possibilidade de pacificação com anistia de criminosos".
O presidente do STF Luiz Roberto Barroso, trouxe à tona sua alma de poeta ao episódio da bomba. - "Onde foi que nós perdemos a luz da nossa alma afetuosa, alegre e fraterna para a escuridão do ódio, da agressividade e da violência?" Ele mesmo responde, sem citar nomes, que em 2021 o então deputado federal Daniel Silveira divulgou discurso de ódio ao ministro do STF. Em outubro de 2022, Roberto Jefferson desrespeitou ordens do Supremo e atacou policiais com granadas e tiros de fuzil. No mesmo mês e ano, Carla Zambelli saiu correndo de arma em punho pelas ruas de São Paulo, atrás de um desafeto. Nesse mesmo ano, após as eleições, milhares de pessoas acamparam em frente aos quarteis porque teria havido fraude nas eleições. Nada foi comprovado, mas o clamor alimentado pelas redes sociais e a cumplicidade de autoridades levaram às depredações dos edifícios que abrigam os três poderes, em Brasília. Prejuízos materiais, repercussão internacional e a necessidade de resgatar a dignidade do Estado, conduziram à prisão e julgamento centenas de invasores e à aplicação de penas elevadíssimas.
Bolsonaro ainda não foi julgado. Daí, talvez, a expressão de Barroso: "Querem perdoar sem antes sequer condenar".
Essa visão de mundo que o divide em dois poderes opostos e incompatíveis, vem de Maniqueu, no século IV d.C., líder religioso que reduzia o universo a uma guerra entre luz e sombra - espírito e matéria. Na Revolução Francesa o maniqueísmo adquiriu uma visão político-ideológica chamada de esquerda-direita, que hoje não cabe mais. De um lado Trump, que tornou o discurso político mais grosseiro e deu permissão para expressões abertas de intolerância e misoginia. Quer deportar o máximo dos 11 milhões de imigrantes ilegais dos Estados Unidos. De outra banda, começa a ascensão do identitarismo que se poderia chamar de liberalismo "woke", ou seja, manter-se acordado em defesa dos grupos marginalizados: minorias raciais, imigrantes, minorias sexuais e afins.
Enquanto isso, como observou o filósofo e economista Francis Fukuyama, a classe trabalhadora sente que os partidos de esquerda não estão mais defendendo seus interesses e começam a votar em partidos de direita.
Platão achava que a democracia sofria com as más escolhas eleitorais. Hoje, evidencia-se que as democracias funcionam não por causa das escolhas do eleitorado, mas apesar delas.
O autor é jornalista e articulista.