OPINIÃO

A mentira como crime eleitoral

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min

Mentir é uma ferramenta antiga na política. Julgada imprescindível numa eleição. O grande tribuno Marco Antônio Cícero, em 64 a.C admitia em campanha para o Senado romano, que "favores, esperança e relações pessoais garantem votos". Conta o historiador Tito Lívio, que o povo romano adorava promessas de todo tipo. "As pessoas preferem uma mentira de conveniência a uma recusa direta".

O cinismo da Roma Antiga difere do cinismo do Brasil de hoje só na forma, não no conteúdo. O político brasileiro é, antes de tudo, um infiel. Temos dois modelos repudiados pela moral cívica, mas bastante utilizados: a infidelidade partidária e a promessa eleitoreira. Não há seriedade ou compromisso com a palavra dada ou empenhada pelo candidato na época das eleições. Ao iniciar-se na arte política, a primeira coisa que o candidato aprende é prometer. No discurso do candidato, não há problema complexo que não possa ser resolvido por ele.

Campanha eleitoral sem promessa seria o mesmo que arroz doce sem o pó de canela por cima. A afirmação vale também para o andar de cima. No recente debate eleitoral Trump X Kamla, ambos foram pegos em deepfakes, mentiras profundas. Os organizadores dos debates, tinham nos bastidores equipes de pesquisadores para checar, como diria o poeta gaúcho Mário Quintana, "as verdades dos candidatos que esqueceram de acontecer".

Uma das mais cabeludas foi a de Donald Trump, pouco preocupado com o ridículo. Ao criticar a invasão de imigrantes que vazam pela fronteira com o México, afirmou que "em Ohio eles estão comendo os cães e os gatos dos vizinhos". Trump, no debate contra a sua adversária, reciclou ataques contra o aborto de anos atrás, ao afirmar que os seus adversários democratas apoiam a "execução de bebês" após o nascimento.

No Brasil, em 1997 (Lei nº 9.504), tentou-se exigir de candidatos ao Executivo - presidente, governadores e prefeitos - o registro em cartório das "propostas defendidas". A lei só fez por piorar ainda mais o quadro de mentiras e demagogias.

Outra lei mais recente (nº°12.034/2009), novamente obriga os candidatos ao Executivo a apresentarem seus projetos e propostas. A intenção era evitar que os candidatos não se apoderassem de propostas concorrentes no decorrer da disputa, bem como permitir aos cidadãos o acompanhamento, fiscalização e cobrança durante o exercício do mandato. Como a norma "esqueceu" de vincular as promessas às ações do mandatário eleito, o documento foi fulminado pela inocuidade.

Há notícias de projetos de lei em tramitação no Congresso, visando incluir no Código Penal o "estelionato eleitoral". O estelionato caracteriza-se pela obtenção de vantagem ilícita com prejuízo para outra pessoa, a partir da indução em erro mediante fraude. A pena prevista é de um a cinco anos de reclusão e multa. O estelionato eleitoral encerraria o mesmo tipo de fraude, só que em relação ao exercício da cidadania. Seria um grande passo civilizatório tornar crime o não cumprimento das propostas de governo registradas durante a campanha eleitoral. Inclua-se as promessas divulgadas pelo candidato no horário eleitoral e na tevê e na internet.

Nos meios jurídicos há um certo desdém quanto a essa tentativa de criminalizar os promessinhas. Deputados e senadores devem aprovar, passadas as eleições municipais, a PEC da Anistia, emenda constitucional para o "perdão pleno" de todas as irregularidades e condenações dos partidos políticos em campanhas eleitorais. Descumprimento das cotas raciais, por exemplo. Multas serão canceladas, com devolução do que já foi pago. Arquivamento de todos os processos por não prestação de contas do dinheiro recebido do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral.

Os vícios são tidos como inerentes aos nossos políticos. Segundo eles, é uma questão "cultural". Simples falhas comportamentais vistas com complacência e já absorvidas pela visão ética do nosso povo.

O autor é jornalista e articulista.

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