OPINIÃO

As maldições de Bauru

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min

Tudo começou em 1913, quando o prefeito Manoel Bento Cruz, mandou demolir a Capela do Divino Espírito Santo para abrir passagem à Rua dos Cachorros e assim expandir o centro de Bauru. O bispo da Arquidiocese de Botucatu, d. Lúcio Antunes Linhares, não gostou do atropelo do prefeito, "na calada da noite", e excomungou a cidade. Proibiu a realização de cultos da igreja católica em Bauru. Ninguém deu bola. O Papa Paulo VI, 64 anos depois, acabou com essa bobagem.

O minúsculo templo fora construído em 1897. Enquanto a capela tomava forma com o dinheiro de subscrição, os colonos ergueram ao lado uma cruz de madeira. Os troncos de cedro estavam tão verdes que brotaram e deram origem a uma árvore frondosa. Maneco, o prefeito, não quis saber. Mandou derrubar tudo para construir outra igreja, bem maior, em frente, que anos depois também foi demolida e deu lugar a atual Catedral.

Na Rua dos Cachorros, o mineiro João Batista de Carvalho tinha uma venda e rebatizou a via como "Rua dos Esquecidos". Foi uma forma de protesto. Todos os pioneiros haviam sido agraciados com seus nomes nos logradouros da cidade. Menos ele. Dez anos após a sua morte resolveram homenageá-lo dando o nome de Batista de Carvalho à principal rua de comércio.

Em 1908, João Henrique Dix, proprietário de um hotel na Rua Araújo Leite, doou o terreno do Cemitério da Saudade e se suicidou com um tiro no coração, para ser o primeiro enterrado. Lembra um pouco o prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçu, que mandou fazer o cemitério e não tinha como inaugurá-lo por falta de defunto.

Se o bauruense mais recente observar, vai perceber que a Rua Batista de Carvalho é inteirinha asfaltada. Somente cinco quadras antes de chegar ao Cemitério são de paralelepípedos. Existe uma maldição, segundo a qual, o prefeito que retirar aquelas pedras, morre. Tudo tem um fim, mas o ser humano se julga eterno. Nenhum prefeito ousou substituir o calçamento.

Outra maldição que tornou a cidade conhecida foi uma ferida brava. Uma úlcera que castigava os trabalhadores encarregados de fazer avançar os trilhos da Estrada de Ferro Noroeste mata adentro. Folha de arnica, pinga, fumo picado, água de benzedeira, cinzas da caldeira da locomotiva. Nada dava certo. Braços e pernas gangrenavam. Operários morriam e eram enterrados ali mesmo, ao lado dos dormentes.

Muitos imigrantes italianos voltaram para a Europa apavorados por contraírem a doença. O cientista escocês Leishman, descobriu que a ferida era provocada por um protozoário que comia a carne até os ossos. Os vectores dos bichinhos eram os mosquitos birigui que infestavam as nossas matas. Do cientista veio o nome de leishmaniose. Mas o povo continuou chamando a ferida de úlcera-de-bauru. O nome da cidade foi para os dicionários num substantivo e aconteceu na literatura médica-bacteriológica mundial.

A ferida teria sido castigo de Deus pela dizimação dos índios caingangues, trucidados pelos brancos. Os índios mataram a flechada o monsenhor Claro, que só queria catequizá-los. Talvez tivessem confundido o crucifixo que o sacerdote empunhava, com uma clava. Deus, para eles, era o sol, a lua, o trovão. Spinoza também via Deus na natureza.

Depois, Bauru virou terra dos morféticos. Os deformados pela lepra, deixavam o sertão de trem e vinham parar na rua 1º de Agosto. Perto do Cemitério, esses estigmatizados pela Bíblia passaram a viver protegendo-se mutuamente das pragas da população. Surgiu o Sanatório Aimorés para confiná-los compulsoriamente e assim livrar a cidade desses desafortunados.

A Eny levou muita culpa pela sodomização da cidade. Injusto. Seu bordel famoso era um lugar de gente bem comportada. Ricos e políticos famosos compunham a clientela. A cortesã socorria dezenas de crianças e cachorros desamparados. Morreu doente e pobre.

O autor é  é jornalista

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