
O pai de Theresa MacPhail morreu aos 47 anos após uma reação alérgica à picada de abelha, mas curiosamente não foi isso que levou a antropóloga médica especializada em saúde pública global a escrever um livro sobre alergias cerca de duas décadas depois, quando chegou à mesma idade que o pai tinha na época em que faleceu.
"É um pouco surpreendente para as pessoas que a morte de meu pai não tenha despertado esse interesse imediatamente. Mas eu era jovem, tinha apenas 24 anos", diz a professora do Stevens Institute of Technology, nos Estados Unidos, e autora do recém-lançado "Alérgicos: Como nosso sistema imunológico reage a um mundo em transformação" (Editora Best-Seller).
Na obra, ela faz um retrato completo sobre as alergias: o que são, por que acontecem, por que cresceram - a estimativa é que de 30% a 40% da população mundial tenha hoje um diagnóstico -, quais os impactos econômicos e sociais e as perspectivas para o futuro.
Pergunta: Uma das coisas que você descobriu é que a própria definição de alergias não é tão clara. O que são alergias?
Theresa MacPhail: Alergia é algo chamado de resposta tipo 2 do sistema imunológico. As doenças autoimunes, por exemplo, são um tipo diferente de resposta, e nossa reação a algo como o vírus da Covid é um outro tipo. Mas o que confunde as pessoas é o que difere uma alergia, uma sensibilidade e uma intolerância. Numa alergia, as células imunológicas se ativam, agem contra algo inofensivo da mesma maneira que agiriam se entrassem em contato com um vírus, um parasita, uma bactéria. Em uma sensibilidade, você pode ser propenso à resposta alérgica, mas isso não quer dizer que tenha de fato a alergia. Você pode ter uma alergia esperando para acontecer, mas suas células estão aguentando. E as pessoas ficam confusas quando recebem um diagnóstico tarde. Você tinha uma sensibilidade, e seu corpo estava tolerando, mas agora não está. Não sabemos por que isso muda. No caso da intolerância, especialmente na alimentar, os sintomas podem ser semelhantes aos da alergia, mas uma reação biológica diferente está acontecendo, que não envolve células imunológicas.
P.: No livro, você cita um aumento nos últimos anos. Quais são os motivos?
Theresa MacPhail: Nosso estilo de vida mudou, mas a biologia não mudou no mesmo ritmo porque a evolução humana é muito lenta. Nosso sistema imunológico foi treinado há milhares de anos num ambiente que agora é diferente. A maioria de nós vive em áreas urbanas, mudamos drasticamente nossas dietas. Graças à poluição do ar, estamos respirando partículas finas que são tão pequenas e estão chegando fundo aos pulmões e os irritando. Há plástico com o qual nossos corpos nunca tiveram que lidar antes em nossas roupas, nas coisas que usamos para cozinhar, em tudo. Outra mudança é que começamos a tomar antibióticos, o que afetou as bactérias que vivem em nosso intestino e em nossa pele. Essas bactérias treinam nossas células imunológicas.
P.: Estamos avançando no combate às alergias?
Theresa MacPhail: Temos melhores tecnologias que nos permitem estudar o sistema imunológico com mais precisão. É ótimo ver esses novos medicamentos que são mais seguros, mas a melhor coisa seria não ter alergias. Existem algumas pessoas olhando para células T e B, que são parte do sistema de memória de nossa resposta imune, e pensando "e se pudermos redefini-las para que esqueçam que não gostam de amendoim". Então você seria capaz de apagar sua memória e depois reintroduzir o amendoim como algo bom, e talvez isso funcione para tratar permanente essa alergia. Essas coisas me dão mais esperança, mas entender o sistema imunológico é realmente o problema. Se pudermos desvendar esse quebra-cabeça, seremos capazes de nos livrar das alergias. Mas os cientistas dizem que isso está pelo menos a 20, 30 anos de distância.
P.: Quais são as repercussões financeiras das alergias?
Theresa MacPhail: Não há diferença na predisposição racial para alergias, mas quando você olha para quem está recebendo tratamento, aqui nos EUA, por exemplo, crianças negras e hispânicas são subdiagnosticadas. Outra coisa é que, ao lidar com eczema, até recentemente muitos dos problemas de pele eram focados na pele branca. Se você tiver uma pele mais escura, você pode ser diagnosticado incorretamente porque o médico não foi treinado em todos os tipos de pele. E quanto aos tratamentos, são caros, especialmente os mais novos e eficazes. Sem eles, você fica preso a alternativas como esteroides, que são importantes, mas podem causar muitos danos. E uma alergia alimentar também é cara porque você não pode simplesmente comprar qualquer coisa no supermercado.
P.: E os impactos sociais?
Theresa MacPhail: Ter uma alergia é frequentemente associado a ser fraco, não ser fisicamente robusto. Mas é exatamente o oposto. Qualquer pessoa com alergia tem uma resposta superforte do sistema imunológico, apenas à coisa errada. Mas quando você vê filmes, se quiserem mostrar que alguém é um nerd, não é popular, eles dão uma alergia alimentar para o personagem, o colocam para usar um inalador. Isso causa danos socialmente porque há alguns mal-entendidos sobre o que são alergias, e do outro lado há muitas pessoas que zombam das alergias como se não fossem reais ou sérias. E estamos falando de pessoas que podem ter uma qualidade de vida inferior. Quando você está em crise, isso afeta seu humor, sua vida social, seu trabalho, sua vida muda. E pessoas com alergias graves têm um risco maior de depressão.