OPINIÃO

Anatomia de um embate

Por Zarcillo Barbosa | 13/04/2024 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é jornalista

O papel de Superjuiz (É um pássaro?! É um avião?!), acima do bem, do mal e do mais ou menos, protagonizado pelo ministro da Suprema Corte Alexandre de Moraes, há anos facilita o trabalho dos profissionais da mídia, por municiá-los com notícias diárias. Agora, encontrou pela frente um ator do mesmo nível, na figura do biliardário Elon Musk. O ministro escorregou na casca de banana por ele atirada. Virou meme internacional. E ainda fez a alegria daqueles que não sorriam desde 8 de janeiro do ano passado.

Quando o dono do X (ex-Twitter) chamou o magistrado de "ditador do Brasil", não foram só os bolsonaristas que lhe deram razão. Quem conhece um pouco do Direito - nem precisa ter estudado na ITE - sabe que o juiz não age sem ser provocado. Como reza o latinório, "ne procedat judex ex-officio". Alexandre de Moraes não perde tempo invocando o Procurador Geral da República, Paulo Gustavo Gonet. Moraes basta-se a si mesmo. Atua como juiz e promotor, é vítima, investiga como delegado e julga como juiz da primeira instância e erra por último no Supremo Tribunal Federal.

É fácil concordar que toda empresa que exerce suas funções no Brasil, tem que seguir a lei e as determinações da Justiça brasileira. A liberdade de expressão é garantida pela Constituição, protege o discurso até mesmo o antidemocrático, mas tem suas limitações. Aqui, as barreiras são bem maiores que nos Estados Unidos. Por falta de uma legislação específica para as Redes Sociais, ficam no abstrato as interpretações sobre o que seria "tramar golpe de estado" e a tipificação de teorias conspiratórias. Projeto de lei tramita há anos pelo Congresso e só agora foi desengavetado, com a repercussão do episódio Musk X Moraes.

Diante dessa lacuna, Xandão tem tomado para si a iniciativa de dar um jeito na coisa. Nos últimos três anos suspendeu dezenas de perfis em redes sociais. Em um inquérito sobre fake news, que ele mesmo instaurou, bloqueou contas no antigo Twitter e no Facebook. Mandou prender Allan dos Santos, influencer bolsonarista, que se exilou em Miami para se livrar de uma hospedagem na Papuda. Derrubou, pelo menos, quarenta perfis no Instagram sob suspeita de incitação à prática de crimes e participações em organização criminosa. Suspendeu a plataforma Telegram, no Brasil e aplicou multas por desobediência.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), vêm reclamando a liberação de contas nas redes sociais, de vários deputados e senadores, que Alexandre de Moraes mandou bloquear sob suspeita de incentivarem a realização de atos democráticos. Há mais de um ano, sequer processos foram abertos contra os titulares das contas. O juiz do STF acaba de incluir Musk no inquérito das milicias digitais. Será ainda investigado para apurar possível participação em obstrução de Justiça.

Tirar um post do ar pode ser justificável se o conteúdo atenta contra a lei. Suspender uma conta, sem comprovação de que um crime grave foi cometido - terrorismo, pedofilia, tomada do poder - equivale a uma censura prévia, o que não é permitido pela Constituição. Todos os cidadãos têm direito de pôr reparos à democracia, ou mesmo de criticar as instituições. Os excessos podem ser punidos, mas seguido o rito processual, com direito ao contraditório e a ampla defesa. O juiz deve agir com moderação (modus in rebus), como disse o poeta satírico Horácio, no oitavo ano antes de Cristo. Suspender o X no Brasil, seria o mesmo que punir milhões que usam a plataforma dentro da lei. Quem dá palco para maluco dançar, depois não se queixe. Elon Musk vive disso. O Brasil, não.

Esse cara e dono da Space X, que manda foguetes ao espaço. Se ele embarca num desses, nenhum oficial de justiça do mundo vai alcançá-lo.

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