COLUNISTA

Lilith, a primeira mulher?

Por Hugo Evandro Silveira | 23/03/2024 | Tempo de leitura: 4 min

Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril

Nos meios virtuais, surgem frequentemente citações sobre a emblemática personagem "Lilith", como sendo supostamente a primeira mulher de Adão. Embora esse termo não seja mencionado no relato da criação no livro do Gênesis da Bíblia, ele aparece no livro do profeta Isaías 34.14. De acordo com estudiosos, variações desse nome, como Lilü, Lilïtu e Lilï, são encontradas em fontes sumérias e associadas a entidades malignas. Nas antigas lendas, Lilith é retratada como uma figura feminina com asas e pés de pássaro. Na tradição acadiana, ela é descrita como uma sedutora que atrai homens para depois matá-los. Nessas histórias lendárias, acredita-se que Lilith fosse estéril devido à crença de que seus seios eram venenosos, embora em outras narrativas ela seja retratada como a mãe de filhos conhecidos como lilim.

No folclore medieval judaico, Lilith é apresentada como uma figura criada do pó da terra, assim como Adão, conforme descrito na obra "Alfabeto de Ben-Sira". No entanto, ela se recusa a se submeter às demandas sexuais e, ao fugir, desafiou Deus e seus desígnios para a humanidade. Lilith foge para o deserto, onde se junta a seres demoníacos, transformando-se eventualmente em um demônio ela mesma. Segundo a lenda popular judaica, diante da fuga da primeira mulher do Éden, Deus então cria Eva de uma substância diferente e totalmente submissa. Essas tradições mitológicas procuram estabelecer uma conexão entre a relação de Adão, Lilith e Eva, sugerindo que Adão reconheceria em Eva a complementaridade e a conexão íntima, proferindo as palavras: "Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne!" (Gênesis 2.23).

A narrativa de Lilith não encontra nenhum respaldo no texto sagrado original; ao contrário, além de contradizer a importância da mulher na teologia da criação, essa história não contribui para a interpretação do Gênesis. Entre os povos antigos, Lilith não era venerada como uma deusa, mas sim temida como um demônio. O etnógrafo judeu Rafael Patai relata que no poema sumério "Gilgamesh e a árvore Huluppu", a figura demoníaca Lilith construiu sua morada na árvore Huluppu, às margens do Eufrates, antes de ser derrotada por Gilgamesh. Patai descreve ainda a placa de Burney, um relevo de terracota da Babilônia, aproximadamente contemporâneo ao poema mencionado, que retrata como Lilith era imaginada pelos antigos. Na representação, ela aparece esguia e nua, com asas e pés de coruja, em pé sobre dois leões reclinados. Na cabeça, usa um adorno com múltiplos pares de chifres, e nas mãos segura uma combinação de anel e haste. Esse retrato, mais do que o de um simples demônio, a mostra como uma figura divina que domina animais selvagens e reina durante a noite.

Lilith tem permeado as mentes de escritores, artistas e poetas, deixando sua marca na imaginação humana. Suas origens sombrias remontam à demonologia babilônica, onde amuletos e encantamentos eram utilizados para enfrentar os poderes sinistros desse espírito alado, que se alimentava de mulheres grávidas e crianças. A figura Lilith se espalhou pelo mundo antigo, influenciando outras culturas. No entanto, foi durante a Idade Média que ela ressurgiu nas lendas judaicas como a primeira e terrível esposa de Adão, desafiando sua autoridade e se rebelando contra Deus.

O que a Bíblia nos revela sobre esse assunto? O relato da criação em Gênesis enfaticamente declara que Eva foi a primeira mulher, criada para ser a companheira complementar do homem. A Bíblia ensina, através de seus primeiros capítulos, que homem e mulher estão intrinsecamente ligados um ao outro, e qualquer desigualdade entre eles não reflete a vontade de Deus. Quanto ao termo "Lilith" citado nas Escrituras Sagradas, ele é mencionado apenas uma vez nos antigos documentos, no hebraico original, em Isaías 34.14, representando o fim trágico do reino de Edom, onde a profecia menciona que suas terras seriam ocupadas por uma figura noturna.

Essa questão relacionada a Lilith tem suas origens na tradição hebraica, especialmente associada à Qabbalah (esoterismo judaico), mas carece de respaldo bíblico. Um exemplo interessante de como essa figura ressurge na cultura contemporânea pode ser observado na obra de C.S. Lewis, renomado autor do século 20, que criou o mundo mágico e fictício de Nárnia. O principal antagonista do primeiro livro da série é Jadis, a Bruxa Branca, uma figura bela e aterrorizante que, apesar de sua aparência humana, não é humana. Segundo o personagem Sr. Castor, ela é descendente de Lilith. Portanto, esse intrigante personagem da magia medieval está amplamente desconectado da narrativa bíblica da criação, sem nenhuma associação como esposa do primeiro homem.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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