OPINIÃO

Tenho dezesseis mãos

Por Roberto Magalhães | 19/03/2024 | Tempo de leitura: 2 min

O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais

O estabanado nasce com cinco mãos, uma atrapalhando a outra. Todo mundo sabe que o ideal é ter somente duas, uma pra segurar e outra pra consertar. É assim que, com duas mãos, a gente troca uma lâmpada, aperta um parafuso, faz um montão de coisinhas domésticas. Os maridos prestativos, claro, eu não. Aliás, é o que diz a sabedoria popular: uma mão é pouco, duas tudo bem, três ou mais é confusão. Em se tratando de relacionamento amoroso, qualquer excesso de mãos sempre acaba em porrada, delegacia de polícia, até mesmo em nota de feminicídio no jornal. Credo!

Confesso-me, sou o rei dos estabanados. Devo ter dezesseis mãos, tão desajeitado sou. Em tudo que faço, uma mão (desculpem-me o cacófato) sempre acaba atrapalhando as outras. Estilhaço pratos e copos, eletrizo curtos-circuitos, furo canos que inundam a casa inteira. Sabendo do desastre que sou, surgindo um probleminha, minha mulher chama logo um profissional que eu odeio por ser ele o cúmulo do atrevimento. Olha só o nome do cara: "marido de aluguel". Ele invade a casa da gente, traz uma mala de ferramentas e, fora dela, uma potente furadeira, acompanhada de uma imensa broca de ferro, coisa de assustar. Depois, sem nenhuma dificuldade, sem pingar única gota de suor, aperta assoviando um parafuso, solta uma porca, troca uma arruela e, pronto, o serviço está perfeito. O vazamento não vaza mais, a luz volta a acender, a gaveta desemperra e eu continuo diante dele com a mesma cara de besta. Depois, com sadismo detestável, ele passa o preço e a chave do Pix. Tudo isso? Mas foram só quinze minutos? Fico emputecido com a extorsão, mas logo reconheço que a culpa é inteiramente minha. Por que eu fui estudar objeto direto, complemento nominal, oração subordinada adjetiva restritiva? Por quê? Pra que serve essa merdaiada toda? Gramaticando, não se conserta torneira, fechadura, chuveiro, seja lá o que for.

Quando ainda havia tempo para eu aprender alguma coisa que prestasse, e assim pudesse ganhar algum dinheiro, resolvi escrever poesia. Do sujeito composto fui visitar metáforas e cheguei até dizer, inspiradamente, que a lua era um redondo queijo de prata. Aí, a vaca embrejou de vez. Hoje, me sinto um inútil enfeitando metáforas, combinando rimas e me exibindo em outras acrobacias verbais.

Por falar em poesia, me desculpem, tenho que parar esta crônica agora. Minha mulher está gritando lá dentro, que o liquidificador não está liquidificando mais. E está dizendo mais: que eu pare imediatamente de escrever essas besteiras de quem não tem nada pra fazer. É para eu ligar imediatamente para o marido dela, o de aluguel claro. Será que Camões consertava liquidificador? Sei lá, mas tudo isso é humilhante. Eu não mereço tamanha degradação.

Receba as notícias mais relevantes de Bauru e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.