OPINIÃO

No tempo do lança-perfume

Por Zarcillo Barbosa | 10/02/2024 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é jornalista

Quando Rita Lee eternizou o lança-perfume numa canção, no fim dos anos 1970, fazia apenas uma referência à substancia que saíra de cena em 1961, proibida pelo então presidente da República Jânio Quadros (1917-1992).

- "Lança menina, lança todo esse perfume/desbaratina, não dá para ficar imune/ao teu amor, que tem cheiro de coisa maluca". O produto causava alteração dos sentidos, mesmo que momentânea. A inibição desaparecia, os bloqueios se soltavam e a pessoa saía "pulando Carnaval". A sensação sentida pelo usuário era única: estado de euforia, zumbido no ouvido, formigamento no rosto e nas extremidades. A molecada voava, com frequência cardíaca de 180 batimentos.

Nessa gandaia colorida, havia aquele que misturava o perfume à bebida para aumentar o efeito de ambos. Há quem jure que, com a proibição, a cocaína entrou de sola na folia. Psicólogos defendiam que o sumiço do Rodouro (marca do lança-perfume em bisnaga de metal dourado fabricada pela francesa Rhodia), provocou a decadência dos bons carnavais de salão.

O lança-perfume nacional começou a ser fabricado em 1922, sem qualquer censura. Os anúncios ganhavam espaço nas revistas, como se fossem publicidade de um perfume qualquer. Com o passar do tempo, como ocorreram excessos pela inalação e mistura na bebida, o produto entrou na mira das autoridades, embora tivesse se tornado o símbolo do carnaval, entre os riquinhos. O produto era caro, fora do alcance das classes trabalhadoras. O pobre, quando muito, se contentava com o "cheirinho da Loló", inventado pelos estudantes da Medicina, à base de clorofórmio e éter.

Começaram os registros de morte ocasionados pela droga manufaturada com solventes químicos à base de cloreto de etila. Foliões ensopavam o travesseiro de lança perfume para dormir profundamente e não acordavam mais. Jânio Quadros aproveitou-se desse fato para lançar uma onda moralista e conservadora. Chegou proibir desfile de Miss, de maiô. Quando muito, dizia o decreto, seria tolerada uma saiazinha plissada.

Lembro-me que na década de 1970, entrou no mercado brasileiro o lança perfume da marca Universitário, fabricado na Argentina. No rótulo estava escrito "Aromatizador de Ambientes", para disfarçar. Tempos da ditadura, as autoridades de olho e a garotada doida, em todos os sentidos, para provar aquela substância que os pais e avós tanto falavam. Era um vidro transparente, sem o glamour do Rodouro, mas que embalou muitos carnavais daquele tempo.

Depois da Revolução Sexual, quando as feministas queimaram os sutiãs em frente à Sorbonne, o inebriante passou a ser a ousadia da nudez. Monique Evans desfilou pela primeira vez com os seios à mostra, como rainha da bateria da Mocidade. O corpo, por si só, passou a ser a própria razão de ser da escola de samba e conta toda uma história de contestação. Mais ousadia e menos caretice.

Na Marquês de Sapucaí, neste Carnaval, vocês perceberam que o grito de contestação é contra a ditadura da padronização dos corpos. Aquele em que das mulheres é exigido corpos sem estrias ou celulite. Os americanos chamam de "body shaming", o ato de ridicularizar, zombar ou criticar a aparência física de uma pessoa. A rainha da bateria da Grande Rio, a atriz Paolla Oliveira, exibe sem grilos suas formas mais volumosas. Jojô Todinho, de biquini fio dental, foi elevada à condição de musa da Mocidade, com discursos de empoderamento.

Outra atual preocupação é com o tapa-sexo, acessório polemico do Carnaval e que está ganhando reinvenções. O adereço costuma cair e as escola é punida com a perda de cinco pontos. Viviane Araujo, do Salgueiro, abandonou o esparadrapo para adotar o "tule illusion". O paninho transparente está ganhando a preferência porque deixa bem nítida o que Courbet chamou de "A origem do mundo".

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