OPINIÃO

Belezafobia

Por Roberto Magalhães | 26/01/2024 | Tempo de leitura: 2 min

O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais

"Tá gorda. Tá fora de forma. O braço dela é de merendeira (???). Exatamente assim: caiu nas redes é peixe, mas só peixão, peixinho não incomoda ninguém. Esse comentário, vomitado de ódio e de inveja, foi uma das muitas pedras atiradas contra a cabeça da Paola de Oliveira, depois que ela compartilhou vídeo como rainha de bateria da escola de samba Grande Rio. A Yasmin escapou? Nadinha. Também foi assunto entre os brothers. Nizam até reconheceu-lhe "um rosto bonito, mas um corpo estranho." Rodriguinho não perdoou à sister: ela já foi melhor, tá mais velha, largou mão..." Não tem como não lembrar aquele tão velho e tão novo ditado: "as uvas estão verdes". Claro, a beleza alheia machuca, sobretudo as mulheres e os homens mal resolvidos não com o corpo, mas com a cabeça.

É o que explica todas essas agressões contra quem conseguiu brilho sob os spots do sucesso. Mas não é apenas o corpo bonito e sensual que é objeto de porrada. Existe uma linha, cujo limite de altura nenhuma cabeça tem direito de ultrapassar. Se o fizer, pancada! Quer viver bem? Não seja bonita ou bonito além da conta. Não deixe sua inteligência brilhar. Esconda o seu talento. Não deixe nenhum rastro de empatia e de caridade, o padre Júlio Lancelotti é a bola da vez. Seja feio, medíocre, ande com a roupa rasgada e leve um tombo em cada esquina. Só assim, você viverá em paz, ninguém chuta cachorro morto.

Simone Beauvoir, filósofa existencialista e feminista, publicou, em 1949, a sua obra clássica O Segundo Sexo. E nela, disse frase, que obrigou todo mundo a pensar: "Não se nasce mulher, torna-se mulher". Perfeito. Se a mulher nascesse mulher, teria nascido acabada, nada mais teria a fazer. Era só cumprir o seu papel de mulher: pensar assim, comer assim, vestir-se assim, dançar assim e o resto assim também, porque foi decidido que mulher deve ser assim. Simone, usando o verbo de movimento "tornar-se", mostrou que a mulher (vale para o homem também) deve ser respeitada na sua liberdade de se construir a partir da educação que recebe e das escolhas que faz, posto que ninguém é nada, torna-se. Seres livres e pensantes devem traçar, no mapa da liberdade, o próprio caminho.

Abaixo, portanto, todos os modelos impostos, muitos dos quais movidos por interesses ideológicos, religiosos ou comerciais. Absurda essa miragem da beleza perfeita, essa necessidade idiota de travar os ponteiros do relógio, esse desespero de levantar a qualquer custo o que, naturalmente, caiu. Mas não só os modelos do corpo devem ser implodidos. Libertemo-nos também dos modelos da cabeça, condição vital para aceitar as diferenças do pensamento alheio. Sejamos livres, pouco importa a bunda ou qualquer outra coisa caída, o rosto enrugado, a orientação sexual, a crença religiosa e se o sapato está calçando o pé direito ou o esquerdo pé.

Que cada um possa se construir livremente. Só isso. E já é muito.

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