OPINIÃO

Salve (se) o Ano-Novo!

Por Zarcillo Barbosa | 30/12/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é jornalista e articulista do JC

O velho Luís de Camões, mesmo com um só olho, enxergava longe: "Jamais haverá ano-novo se continuar a copiar os erros dos anos velhos".

Aprendi que ano-novo se escreve com hífen e com letra minúscula. Diferente de Natal, que é nome próprio. Já não erro mais.

Agora que os brasileiros estão aprendendo a escrever réveillon, me aparece um desses cães de guarda da ortografia, sempre contrários ao uso de estrangeirismos, propondo que se aportuguese a palavra vinda direta do francês para "reveião". Parece piada. Réveillon vem de réveiller que, bem traduzido, significa "acordar". No caso, manter-se acordado para a virada do ano. Ficamos acordados para comemorar não sabemos bem o quê, indiferentes às guerras, às tragédias dos inundados, a violência das ruas ou o choque entre poderes. Se não tomarmos cuidado, corremos o risco de briga em família se entrar na pauta das conversas o golpe frustrado do dia 8 de janeiro, perpetrado por cidadãos de camisa amarela.

Deu a louca no clima, com temperaturas que ultrapassaram os 40 graus, mesmo nos Estados Unidos e na Europa. Na Amazônia, onde se concentra a maior bacia hidrográfica do mundo, os ribeirinhos ficaram sem água para beber e sem ter o que comer. E há ainda quem acredite que os humanos nada têm a ver com o aquecimento global. O poeta Chico Nunes das Alagoas, encontrou uma explicação: "Se o mundo fosse bom o dono morava nele". Deus criou o Universo e esqueceu-se de reservar um lugarzinho para Ele.

Há quem acredite que 2023 foi um Annus Mirabilis - excepcional. Lula, por exemplo. Saiu de uma cela da Polícia Federal para novamente ser empossado como Presidente da República. Fez mais de vinte viagens internacionais em companhia de sua nova esposa, Janja. Deu uma de paladino internacional da paz, sugeriu que os mandatários russos e ucranianos sentem-se à mesa, tomem uma cervejinha e tratem de dirimir as suas diferenças. Cada um cede um tanto até as coisas se equalizarem. Zelensky e Putin ainda discutem em que boteco se dará conversa. Se houver êxito nessa missão, Lula é candidato certo ao Prêmio Nobel da Paz.

Em termos locais, Lula anunciou que o seu ministro da Fazenda Fernando Haddad não deve se preocupar com o déficit orçamentário. A projeção do rombo para 2023 estava em 177 bilhões de reais. E daí. Segundo o presidente, também é para esquecer o déficit zero prometido para 2024. Todo mundo sabe que não vai acontecer mesmo.

Pelo menos o país conseguiu promulgar uma reforma tributária. O Brasil se livra de um emaranhado de impostos em troca de um novo imposto sobre valor agregado (IVA). A alíquota-base será de 27%. O IVA mais alto dentre os países que adotam o imposto único. A expectativa é se a classe média vai ficar com a conta toda ou só com parte dela.

Quando eu era mochileiro, passei um réveillon em Roma, que lá eles chamam de "vigília de capodanno". Frio intenso. Assim que soaram os sinos à meia-noite, todo mundo começou a atirar pela janela as panelas velhas, vasos rachados e outros objetos inúteis. Costume italiano. O país atravessava um período de conturbações sociopolíticas e aquele ano foi chamado de Anni di Piombo (Ano de Chumbo). Voaram pelas janelas cartazes com fotos de todos os líderes políticos da época, desde democratas cristãos, passando por socialistas, comunistas e líderes operários. "Va fan culo!".

Quem sabe possamos fazer o mesmo algum dia. Para ganhar um ano-novo que realmente mereça este nome, eu, você, nós temos que fazer por merecê-lo. Por inteiro. Não só quanto aos nossos interesses pessoais. Temos responsabilidades como cidadãos.

O poeta Carlos Drummond ensinou que o ano velho não morre. Apenas ressuscita para uma vida nova que, se espera, tenha menos máculas. "É dentro de você que o ano-novo cochila e espera desde sempre".

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