OPINIÃO

O burro do Presépio e o frango assado

Por Zarcillo Barbosa | 23/12/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é jornalista

No Céu também há estrebarias. É isso que nos ensina o burro do Presépio. "Na casa do meu Pai há muitas moradas" (João 14,2). O Céu não é só o lugar derradeiro de grandes apóstolos, dos mártires heroicos, dos sacerdotes, dos doutores da Igreja, das virgens puras e santos incomparáveis.

Lá também há lugar para aqueles que souberam levar a carga que a vida impõe a cada um, com fidelidade e diligência.

Mas não é qualquer asno que entra no Céu. Não basta ser um bom jerico para ter lugar nas cocheiras celestiais. Muitos conseguem carregar certas coisas algum tempo, mas o bom burro é aquele que carrega o que tiver de ser, sem discutir, sem escolher, sem resmungar, sem pedir descanso, contentando-se com a ração.

Há outra condição para o burro entrar no Céu. Que ele entenda - embora burro - o valor da carga que leva. O burro do presépio levava uma mulher, como qualquer outra. Mas aquela senhora tinha dentro de si o Salvador. Era isso que fazia dele o burro do Presépio. Assim se entra no Céu, levando a carga da vida.

Podem achar que virei um pregador arrependido, com esta lição conformista. Para os utópicos não metafísicos, só serve para atrasar a Revolução e induzir ao trabalho dócil em função dos interesses do Capital. Não tenho tal pretensão. A carga a que me refiro é aquela imposta pelos percalços da vida, da qual ninguém escapa - nem a burguesia e muito menos o proletariado. Esta é a grandeza do burro do Presépio, uma das mais notáveis da história da salvação.

O Presépio poderia existir sem a vaca. Sem os pastores, os carneiros e sem os Reis Magos. Até poderia existir sem José e os anjos. No Presépio existem apenas três personagens indispensáveis: Jesus, Maria e o burro. Jesus é o Deus que se fez homem, que muda o sentido do universo. Maria é o caminho que Jesus escolheu para vir. O burro é o meio de lá chegarem. Sem Jesus não há Presépio. Sem Maria, não teria chegado ao Presépio. O burro leva o Rei no Domingo de Ramos.

A própria Igreja compreende a necessidade de levar a carga de tantos padres, bispos e até cardeais pedófilos. Bento XVI, temeroso de lhe faltar força física para "limpar a Igreja", como ele mesmo afirmou, renunciou para dar lugar a um Papa mais jovem. Francisco, hoje também combalido, perdeu a saúde na intensa faxina.

Jesus Cristo é a figura mais decisiva e determinante da história da humanidade.

Quem disse foi um dos grandes filósofos do século 20, Karl Jaspers. Ele mesmo era contra as doutrinas religiosas explícitas, mas estudou os efeitos ou as repercussões de Jesus na História, assombrosamente humanas e positivas.

Já a festa de Natal, nada tem a ver com a revolução que Jesus operou. Está mais para a infância e a família. Tem uma narrativa poderosa e magnética que nos persegue. Canções com melodias simplistas, mas certeiras, souberam se adaptar a motivações religiosas e ao uso dos cartões de crédito e do pix. E uma festa mais ligada aos nossos usos, necessidades e ritos.

Dizem que quem inventou o Natal, da forma como o conhecemos hoje foi Charles Dickens. No século 19 as celebrações natalinas eram obscuras e nada solidárias. Com o seu Conto de Natal (1843), Dickens produziu um panfleto contra o trabalho infantil. Seu protagonista é o avarento e mesquinho Scrooge. Ele era contra "dar por dar".

De graça. As crianças, desde cedo, deveriam aprender a conquistar as coisas pelo próprio esforço. Muito parecido com aquelas frases imperativas dos cartazes de hoje: "Não dê esmolas". Vem de longe o conceito do "ensine a pescar", sem perceber que precisamos primeiro, salvar as pessoas satisfazendo suas necessidades básicas.

Na campanha dos Correios, cada vez mais crianças pedem a Papai Noel algo de comer, em vez de brinquedos. O âncora da TV se declarou "surpreso", com a cartinha da menina pedindo "um frango assado". Fome e miséria, nunca surpreenderam ninguém.

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