OPINIÃO

Privatização e soberania

Por Zarcillo Barbosa | 16/12/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é jornalista

O filósofo francês Georges Bataille (1987-1962) defendia que soberano não é aquele que simplesmente detém o poder, mas aquele que o exerce. Ele escreveu um livro sobre isso, justamente intitulado "A parte maldita", dada as incompreensões que gera a "soberaneidade".

Para começar, Bataille aconselhava ao titular de um poder soberano a se abster de preocupação excessiva com o futuro. Em seguida, diz que não se deve dar muita bola para toda projeção de consequências e à necessidade de certezas e garantias de que a coisa vai dar certo.

Soberaneidade implica, também, a recusa à supervalorização do trabalho. Há uma canção da banda norte americana Red Hot Chilli Peppers que diz assim: 'I can´t tell if I´m a king pino or a pauper' (Não sei se sou um chefão ou um miserável), justamente para que as pessoas exerçam o que lhes foi dado pela vida, a soberaneidade.

Deixando a filosofia e o rock de lado, temos que refletir sobre uma soberania ainda mais complicada que é aquela dada solenemente pelo povo, em manifestação livre e direta representada pelo voto secreto, também soberano.

Quando elegemos um prefeito depositamos nele nossa confiança e queremos que ele exerça o seu múnus público por inteiro, com autoridade. Ele é dono da caneta e deve usá-la.

Assim como ordenou d. João VI a Pedro, herdeiro da dinastia Bragança, titubeante entre o trono português e o trono brasileiro: "Meu filho, põe esta coroa na cabeça antes que algum aventureiro o faça".

Em termos práticos e diretos, a Estação de Tratamento de Esgoto de Bauru deveria ter sido inaugurada em 2016 e está parada há dois anos, dinheiro não falta. Virou "obra de Santa Engrácia", expressão criada pelos portugueses por causa da demora na construção da igreja em sua devoção, em Lisboa.

Quando ficou pronta, 400 anos depois do seu início, Salazar decidiu transformá-la em Panteão Nacional para abrigar os restos mortais dos seus heróis.

Já não há quem duvide que o Estado brasileiro precisa do setor privado para diminuir o déficit vexatório na rede de saneamento.

Bauru ainda joga quase cem por cento do seu esgoto in natura, no Rio Bauru. Entre as 100 maiores cidades do país, estamos em 76º em saneamento básico.

O poder púbico sempre se mostrou incapaz de fazer investimento de modo racional, no montante e na rapidez necessários para apagar a nódoa civilizatória que nos envergonha. Recolher sujidades para depois lançá-las em nossos rios é uma perversidade. Não há desculpa para procrastinar o serviço de tratamento de esgotos.

Quando alguém tenta mudar alguma coisa, sempre encontra resistência por parte de prejudicados, conservadores ou daqueles do contra, só para chatear. É preciso parar com esse discurso demagógico contra a terceirização dos serviços públicos. Está mais que provada a necessidade de minimizar o tamanho do Estado, por mais que isso desagrade aos chamados "da esquerda" ou puristas do regime.

A cidade, o estado ou o estado-nação não têm competência para ter empresa pública, sociedade de economia mista ou autarquia. Essas criações são meros instrumentos de acomodações políticas, postos para aqueles que colaboraram para a vitória nas urnas ou têm padrinhos fortes.

Disse-me um vereador que o problema não é a terceirização, mas o que vem depois em termos de maracutaias nos aditivos contratuais, nas tarifas mais pesadas para os consumidores.

Aí voltamos ao filósofo que advertia para "a preocupação excessiva com o futuro, a todo cálculo de consequências". Os homens de má fé que se seguirem - e são inevitáveis - serão defenestrados porque sempre surgirão cidadãos probos disposto a defender a decência e os interesses do povo.

Graças aos avanços tecnológicos, hoje somos todos jornalistas-cidadãos com acesso gratuito aos meios eletrônicos, conscientes do nosso papel de cães de guarda da coisa pública.

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