OPINIÃO

Avaliando o avaliador do Enem

Por Zarcillo Barbosa | 25/11/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é jornalista

O tema de redação do Enem 2023 foi "Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizada pela mulher no Brasil". Coloca em foco um problema estrutural brasileiro. São as mulheres as que mais sentem o peso das tarefas domésticas e do cuidado com outras pessoas.

Nove em cada dez mulheres em casa preparam os alimentos, arrumam a mesa e lavam a louça, além de cuidarem da limpeza das roupas.

As pesquisas demonstram que a situação já foi mais adversa para as mulheres, no passado. Hoje há mais homens participando do trampo doméstico.

O problema pode ser explicado a partir de uma questão cultural. O trabalho doméstico e funções de cuidado do ambiente familiar, muitas vezes, não é visto como "trabalho". Deve ser esta a tal "invisibilidade" a que se refere o enunciado dos organizadores. Confesso que levaria algum tempo para perceber o problema de não se enxergar algo tão claro.

Sem ter dados em mãos, acho que começaria elogiando minha esposa que faz todo o serviço de casa e ainda cuida dos dois cachorros da família. Seu trabalho nada tem de "invisível". Sobram para mim os serviços que não caem bem para o gênero feminino, como subir no telhado, correr atrás do lagarto que invadiu o quintal, carpir o mato que teima em crescer nos desvãos da calçada e pôr o lixo para fora. Ela só reclama porque eu janto em casa. Já tentei liberá-la dessa tarefa, mas ela continua pondo a mesa. Não sei se por homenagem aos 45 anos de feliz convívio conjugal, ou porque alguém tem que comer a sobra do almoço.

Meu amigo professor João Alfredo, veterano em aulas para vestibulandos, sentencia que eu não teria uma boa nota na redação, se fosse fazer o Enem. Para pontuar bem, o aluno se adestra para escrever o que o avaliador (corretor de provas) quer ler. Ou seja, preciso de argumentos mais impactantes, a altura de um problema social. Também não sei se a pessoa que vai ler meu texto é de esquerda, de direita, ou de centro. Qual é a sua convicção filosófica ou política.

Há quem ache que o agro é tech, o agro é pop, o agro é tudo. Há quem veja no agro um ogro, o bicho-papão que provoca chuvas ácidas, espalha veneno e o dono da terra como um latifundiário improdutivo. Há um clima de violência simbólica e concreta contra a pessoa do pobre lavrador. Se chamá-lo de "camponês" e o professor responsável pela nota de avaliação for bolsonarista, vai dar ruim. Quilombola, MST... melhor não arriscar.

O professor aconselha a rezar pela cartilha do governo de turno. Nas questões subjetivas de múltipla escolha, o problema é ainda mais complicado. A esposa Paula Lavigne, do tropicalista Caetano Veloso, submeteu a ele uma das questões enfrentadas por 3 milhões de estudantes no Enem. A pergunta explorava comparativamente as letras das canções "Alegria, Alegria" e "Anjos Tronchos". Com a calma de quem caminha contra o vento, sem lenço e sem documento, Caetano respondeu, na primeira leitura, que todas as alternativas estavam certas. A prova admite somente uma resposta.

Uma questão bem formulada proporia a discussão de múltiplos pontos de vista, pondo à prova a capacidade de compreender e articular argumentos contrastantes. A capacidade de análise crítica é fundamental para o sucesso no ensino superior.

Ninguém pode decretar o que um texto quer dizer, ou qual a sua leitura correta. O autor, depois que publica, fica sujeito às interpretações subjetivas que variam de leitor para leitor. Rede Social, lá no Nordeste, pode ser um espaço em balanço capaz de aconchegar ao mesmo tempo, mulher, filhos e até amigos. Há quem ache que o golpe de 1964 foi uma revolução; que gênero só existem dois: os que têm próstatas e as que menstruam. Melhor fazer diferentes cadernos de provas conforme os matizes ideológicos de cada candidato.

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1 COMENTÁRIOS

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  • Jovelina Linhares de Andrade Azevedo
    11/12/2023
    Ao emitir a sua opinião a respeito do trabalho desenvolvido pelos avaliadores das redações do Enem, deveria ter pesquisado melhor sobre todo o processo que envolve esse trabalho. Sabe quem pode participar desse trabalho? Sabe quantas horas de estudos são exigidas? O número de atividades avaliativas? Você se deu ao trabalho de perguntar ao seu amigo professor se ele obteve uma nota superior à 7 na avaliação presencial realizada? Qual foi a opinião dele sobre o curso presencial que aconteceu durante 8 horas em um sábado e mais 8 horas de um domingo??? Meu caro jornalista, não menospreze o trabalho de alguém. Como profissional que trabalha com as palavras, o senhor sabe o esforço que isso exige. Não há subjetividade do trabalho de que passa horas e mais horas AVALIANDO - não corrigindo- essas produções. Faça o seu serviço e respeite o de outros. O Enem não trata de casos particulares. Não é sobre VOCÊ. É sobre uma questão que incomoda a MAIORIA. Infelizmente, neste texto de hoje, o senhor não demonstrou empatia e consideração aos profissionais que também trabalham com as palavras. FALTARAM A SEU TEXTO SENSIBILIDADE E PESQUISA.