OPINIÃO

Vale ser racista e capacitista para nunca perder?

Por Eduarda Maria de Souza Fernandes | 17/10/2023 | Tempo de leitura: 2 min

A autora é professora de Educação Básica

Consternada, leio a resposta da Administração Municipal de Bauru em matéria veiculada aqui no dia 13/10/2023, "Coletivo denuncia trechos racistas no Palavra Cantada e pede providências", sobre os versos do cordel "Eu nunca posso perder", texto integrante do material Palavra Cantada na Escola.

No campo educacional progressista e democrático, não há discordâncias quanto ao reconhecimento de que o racismo está presente nos discursos e nas práticas escolares, da importância de se promover uma educação antirracista, de a escola ser a responsável pelo enfrentamento do preconceito nos seus espaços.

No entanto, isso só é possível com a adoção de mudanças concretas que possibilitem o surgimento de novos valores e a construção de novas práticas. Assim, o tema tem que estar presente tanto na formação continuada de professores e gestores escolares, quanto na análise cuidadosa dos materiais didáticos e recursos pedagógicos que viabilizam o currículo escolar.

Os versos "É mais fácil um negão tomar banho e ficar branquinho" e "É mais fácil um aleijado disparar numa carreira" fazem parte de um cordel onde vale qualquer coisa para se vencer uma disputa, inclusive ser preconceituoso e subalternizar o outro. Portanto, justificá-los para problematizar que "a cultura também carrega consigo elementos do passado, incluindo preconceitos raciais e capacitistas", cujo "conteúdo da música deve ser examinado à luz dos valores de igualdade e inclusão que defendemos na sociedade contemporânea", é no mínimo imoral, indecente e ingênuo quando se pretende o combate ao racismo e demais práticas discriminatórias.

A posição da Administração Municipal despreza que as crianças assimilam em seu mundo simbólico valores, crenças e padrões de comportamento estigmatizados através das relações sociais. Desconsidera a existência de práticas racistas, muitas vezes invisíveis e sutis, orientando a prática docente, suas relações e o manejo com os materiais didáticos. Que tipo de construção social e representações subjetivas estão sendo criadas a partir do trabalho didático com esse cordel?

A investida contra o racismo e o capacitismo necessita de outras formas de enfrentamento, muito além da problematização dos elementos do passado cultural brasileiro. Não há saída digna para o  executivo municipal senão o recolhimento imediato do kit Palavra Cantada na Escola de todas as escolas municipais de Bauru.

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