OPINIÃO

Todo sangue é igual

Por Roberto Magalhães | 17/10/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é professor de redação e autor de obras ficcionais e didáticas

O que de mais perverso e monstruoso do homem podemos esperar? Nada. Todos os limites da bestialidade foram ultrapassados. Chegamos ao fundo do poço, o que significa que mais fundo não podíamos chegar. A televisão, essa caixa de ressonância da nossa bestialidade, contou e mostrou o que jamais deveria ter contado e mostrado. Vi o desespero nos olhos de uma multidão de jovens que dançavam a sua alegria, como se a vida fosse apenas uma rave. De repente, sem nada entenderem, corriam desesperados, fugindo das balas cuspidas por fuzis.

Pelo chão, corpos esparramados, destroçados, vilipendiados. Mães arrastavam crianças ensanguentadas sem saber onde se esconder. Vagalumes de fogo riscavam o céu, depois caiam explodindo rolos espessos de negra fumaça. Dentro dos carros, cadáveres ainda seguravam a direção. Um pai berrava, como se alguém pudesse ouvi-lo, que os terroristas tinham levado suas filhas e deixado a certeza do estupro e da morte. Crianças degoladas, velhos sequestrados. Uma mãe reconhece, em vídeo, o corpo da filha seminua sangrando na caçamba de uma picape. Terroristas vibram com o troféu.

Pelo ar, pelo mar, por terra, os terroristas do grupo Hamas invadiram Israel para novamente as contas acertar. Era sábado. No domingo, seria a vez de o lado mudar. Agora, eram os foguetes de Israel dando o respectivo troco. Tudo novamente. O mesmo pavor, o mesmo sofrimento, a mesma dor. Não há como não se solidarizar com as vítimas civis, sejam elas israelenses ou palestinas. Não há como não criticar o rapto de inocentes pelo Hamas. Impossível ignorar o crime de guerra de Israel ao bloquear a entrada água e comida em terras palestinas. Todo sangue é igual. Depois desse sábado e domingo brutais, virão segundas, terças, quartas e muitas outras feiras para que a morte possa indefinidamente continuar.

A desumanidade não explodiu apenas com bombas, mas também com palavras de insensibilidade. Choveram, nas redes sociais, foguetes discursivos do ódio defendendo a ideia da legítima defesa, justificando o direito de os oprimidos sangrarem o opressor. Não faltaram aqueles que cobraram massacre por parte de Israel. Como assim? Então teremos que engolir toda essa brutalidade contra gente indefesa como efeito colateral? Por maior que seja o pecado, o caminho da brutalidade a nada conduz, apenas faz crescer o ódio e afasta, ainda mais, qualquer possibilidade de paz. Há décadas, a coisa é assim, mata-se e se morre, um ódio sem fim.

O poço tem fundo e o fundo secou. Impossível imaginar monstruosidade maior. Não é hora de colocar, na balança, o peso de cada culpa. Tampouco de defender a ideia maluca de que os fins justificam os meios. E, pior, de que na guerra não existem inocentes. Absurdo! Inocentes é o que nela mais há. Famílias inteiras, crianças, idosos, jovens dançando numa rave, todos chacinados.

Já que a dor misturou-se aos entulhos do que antes foi casa e família e, agora, é sangue e poeira; já que da humanidade nenhuma réstia restou; já que estamos assustados com o tamanho da nossa brutalidade, não seria este o momento de a vida repensar? A considerarmos a asnática história que temos insistido em escrever, parece que não.

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