OPINIÃO

Caetano beija a Língua de Camões

Por Roberto Magalhães | 03/10/2023 | Tempo de leitura: 2 min

O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais

Tão louvadas são as palavras, sobretudo as poéticas, na sua magia de dizer. Tão execradas são as palavras, sobretudo as de mentir e de esconder. Quem tem a palavra na boca tem, no bico, o poder. De encantar. De persuadir. De assustar. De esperançar. Amar e odiar. A palavra pode salvar a vida, quando é verbo macio de abraçar. Mas pode decretar a morte, sendo veneno mortal, lâmina, penetrante punhal. Pode ser tanto verso inspirado, quanto o seu reverso, adjetivo perverso, vontade de ferir e de humilhar. Se faz rir, mais sabe ainda é fazer chorar. Na boca do Drummond, a palavra virou pedra no meio do caminho.

Na do Jobim, pau, toco, vidro, anzol, tudo no fundo do poço, no fim do caminho. Na boca divina do Caetano, a palavra é língua tesuda roçando a língua de Camões. Beijo assim de gênios, tão separados pelo tempo, é coisa linda de arrepiar. Na boca do Gil, a palavra fé, mesmo sem se explicar, não costuma faiar. Não poucas vezes, as palavras, percebendo-se impotentes, deixam os olhos por elas falarem. Em outras, faca entre os dentes, saem prudentemente de cena, deixando o silêncio no seu lugar.

Desculpem-me as palavras, há coisas que elas não sabem dizer. Como traduzir, por exemplo, o que dizem os olhos que se despedem, quando medem o tamanho da dor que haverão de suportar? Quando muito, as palavras poderão tangenciar o que dizem os olhos umedecidos de quem, agradecido, de joelhos caiu para rezar. As palavras jamais saberão explicar o significado dos acordes dissonantes arrancados, por mãos talentosas, das cordas de um violão. Como poderão as palavras descrever com fidelidade toda a verdade de um beijo grávido de prazer? Lamento lhes dizer, palavras, mesmo sendo rara a sensibilidade da pena do escritor, ele da verdade apenas se aproximará. Poderá até sugerir com maestria o que aquele beijo descrito seria, mas nunca dirá o que sentiram a pele, a língua, o molhado tesudo da boca naquele momento louco de ofegante respiração.

Nem por isso, palavras, deixo de me curvar e de homenagear a sua história de a vida contar e costurar. E as mãos de todos esses loucos poetas quero reverenciar e beijar. São andarilhos esfarrapados de uma estrada sem fim. Tentam explicar o inexplicável. Afinal, quem entende o que é viver? Ainda que saibam que choverão no molhado, continuarão tentando arrancar das pedras, sangrando as mãos, algum fiapo de raquítica explicação. A vida sempre foi e será maior do que as palavras. Mas isso não impede que eu repita: Canta poeta! Canta, poeta! Que é bonita, é bonita e é bonita!

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