OPINIÃO

Maquiavel nada tinha de maquiavélico

Por Zarcillo Barbosa | 23/09/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é jornalista

Nicolau Maquiavel nunca disse que "os fins justificam os meios". O verdadeiro autor foi o poeta romano Ovídio (43 a.C.), referindo-se às artimanhas do amor. O filósofo florentino nada tinha de maquiavélico, no sentido de ardiloso, uma pessoa que não hesita em pisar nos outros para alcançar seus objetivos.

É bem verdade que ele chegou perto disso na sua obra póstuma "O Príncipe", ao ensinar que a política é que determina a moralidade. Quem pensar moralidade fora dos parâmetros da política, tende a fracassar, pois esta é a regra do jogo. Há 500 anos, a forma de se fazer política era assim. E continua até hoje. "O Príncipe deve fazer o bem sempre que for possível, e o mal quando for necessário". O pacote de maldades carregaria no seu bojo o aumento de impostos, revisão de direitos e todo tipo de ônus. Maquiavel, entretanto, recomendava cautela ao Príncipe. O mal, se faz de uma vez só; o bem, em pequenas doses. Na Inglaterra do século XVII, o maquiavelismo era algo diabólico. "Old Nick" é, até hoje, um dos nomes em inglês do coisa-ruim.

Diante do Supremo Tribunal Federal, ao defender um dos réus condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro, o advogado Henry Kattwinkel (o nome impressiona) virou motivo de chacota nas redes sociais por ter citado Maquiavel erroneamente em seu discurso. Confundiu "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry com "O Príncipe", do filósofo italiano. Além disso, agrediu os ministros do STF com adjetivos e acabou levando uma canelada do ministro Moraes, que qualificou sua fala de patética e medíocre.

O samba do advogado doido, serviu para que voltássemos a estudar o muito de republicano que existe no texto de Maquiavel. Também estava na hora de revisitar o livro mais vendido do mundo, depois da Bíblia, traduzido para 220 línguas. Cada uma das frases de O Pequeno Príncipe nos conduz a reflexões pelas suas mensagens subliminares. À medida que a vida adulta do principezinho vai chegando, torna-se inevitável a perda da inocência, da imaginação e da fantasia. Ele habitava o minúsculo Asteróide B-612, já tomado por baobás. A vantagem era a de poder ver o pôr do sol quantas vezes quisesse. Bastava afastar um pouco a cadeira e as luzes e cores do ocaso se repetiam.

As poucas livrarias que sobraram abertas, aproveitaram para fazer promoção de ambos os livros. "Sai do Google e vem para a livraria, meu querido", dizia o cartaz numa loja do centro do Rio. A tradicional Livraria Casa da Árvore, anunciou: "Um clássico de Maquiavel saindo por 10% de desconto para advogado. Basta apresentar a carteirinha da OAB".

A velha Ordem dos Advogados do Brasil, parece que não é mais aquela, em termos de exigência nos exames para qualificar os candidatos a profissionais. As faculdades particulares, a gente sabe, são maquiavélicas: pagou, passou. A raposa, diante do episódio, deve ter se aborrecido com o uso indevido da sua frase mais carinhosa dirigida ao Pequeno Príncipe. Lá do deserto deve ter gritado para o "defensor" do bagunceiro-golpista: "Tu te tornas eternamente responsável pelas asneiras que proferes".

A crise das ideologias (liberalismo, populismo, marxismo) e da própria democracia sempre posta à prova nos últimos vinte anos, levou os estudiosos a revisitar Maquiavel num esforço para reanimar a política democrática. Todo político deveria ler o livrinho, rico na sua essência. É incrível a importância que ele dava ao povo, apesar de ter vivido em tempos de absolutismo monárquico. Ele defendia que as boas leis nasciam justamente dos conflitos entre os nobre e ricos e o povo.

Maquiavel parece dizer aos políticos: mintam, não cumpram a palavra dada, beneficiem-se do erário, assegurem privilégios, mas, não se esqueçam do povo.

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