OPINIÃO

A ilusão do conhecimento

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista

Nos Estados Unidos, as universidades produzem uma variedade de estudos que podem ganhar tanto o Nobel como o IgNobel. Sempre interessantes.

No livro "A Ilusão do Conhecimento", da dupla Sloman&Fernbach, se eles fossem definir o ser humano, provavelmente diriam que somos animais presunçosos. Ignoramos o básico sobre coisas simples que utilizamos o tempo todo, mas temos a nítida sensação de que somos experts nesses objetos.

O exemplo destacado da dupla é quase escatológico: a descarga do banheiro. A maioria é incapaz de explicar o processo de despacho dos dejetos. O que move a bozerra é o efeito sifão. Trata-se de física ginasiana, mas isso não nos torna mais aptos a explicar o milagre. Mesmo assim temos a ilusão de que sabemos muito mais do que sabemos. O lado positivo da ignorância. Se fôssemos proceder a uma avaliação realista e completa antes de executar qualquer ação, nós nos perderíamos em dúvidas hamletianas e nunca faríamos nada.

Houve um prefeito em Bauru que se cansou de ser pressionado pelos assessores, extremamente cuidadosos com projetos, aspectos legais e rubricas orçamentárias. "Pessoal, chega de planejamento, agora vamos partir para o "fazejamento". Foi assim que Edmundo Coube pode concluir o trecho central da av. Nações Unidas e deixar bem encaminhado o Vitória Régia.

Também não adianta planejar errado, como foi feito com a Estação de Tratamento de Esgoto, onde a adutora que vem da direita não tem o mesmo diâmetro para emendar com a que vem da esquerda. Sem falar nos outros 1.452 erros catalogados.

"Os Russos", do historiador Ângelo Segrillo, conta sobre Nikita Khrushchev, um camponês que ascendeu à presidência do Partido Comunista Soviético, pelo seu espírito prático e empreendedor. De cara ficou famoso com o seu discurso no XX Congresso de 1956, quando atacou o culto à personalidade de Stalin, já morto. Elogiou o papel de Stalin na industrialização e coletivização agrícola, mas condenou seus métodos forçados, violentos e ilegais. Promoveu a coexistência pacífica, foi conversar com Eisenhower nos Estados Unidos. Em 1957 enviou o primeiro satélite artificial ao espaço - o Sputnik. Em abril de 1961 o soviético Yuri Gagarin se tornou o primeiro astronauta a ir ao espaço.

Em Bauru, o presidente do Aeroclube Luiz de Gonzaga Bevilacqua, astrônomo amador, instalou um receptor na torre do Aeroporto e captou os sinais sonoros do Sputnik, que dava voltas ao redor do planeta Terra e passava bem em cima das nossas cabeças.

As gravações foram enviadas por Bevilacqua à Academia Aeroespacial da URSS. Notaram que o bip-bip, captado em Bauru, era mais forte que em outros lugares. Anos mais tarde, o físico do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, especialista em estudos de campos elétricos e magnetismo ambiental, Inácio Malmonge, bauruense de Tibiriçá, resolveu lançar uma série de balões estratosféricos em Bauru, munido de instrumentos medidores de irradiação. Descobriu que a 35 quilômetros de altura, havia um furo na camada de ozônio sobre Bauru. Estava explicado por que os sinais sonoros do satélite russo aqui penetravam com mais potência.

A camada de ozônio é importante porque ela serve como barreira dos sinais ultravioletas, nocivos a saúde dos seres vivos. Nada que um protetor solar não possa amenizar, principalmente se usado entre 10 e 16 horas. A possibilidade de aparecimento de câncer de pele também não é maior aqui do que na praia.

O incrível é que o estilo simplório de um ex-mujique soviético, produziu causação no mundo. Sem nada conhecer de tecnologia, mudou as prioridades de Stalin, voltadas à extensão das fronteiras agrícolas e mecânica pesada e mandou os cientistas russos darem um susto nos Estados Unidos.

O senso comum acaba sendo um juiz até mais competente que os experts.

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