Pedir a benção resiste ao tempo
Pedir a bênção resiste ao tempo
Texto: Ana Maria Ferreira
O costume, hoje em dia, caiu no desuso. Mas não desapareceu, porque para muitos representa uma forma de demonstrar o respeito
Costume, modismo, hábito ou tradição, ou ainda tudo isso reunido numa única atitude: pedir a bênção. Historiadores e pesquisadores analisam esse costume - que vem perdendo força - baseados nas mudanças de comportamento da sociedade com o passar dos anos. O mundo não é estanque e a cada nova geração mudam o padrões de comportamento até então praticados e aceitos. O ato de pedir a bênção aos pais e parentes e ainda às pessoas mais velhas, independentemente do grau de parentesco, caiu em desuso para a maioria dos jovens. E o motivo mais recorrente é a ausência da transmissão deste costume pelo próprios pais.
Observa-se numa faixa etária acima de 40 anos, que o costume da bênção faz parte da educação familiar que receberam. Já para aqueles na faixa dos 30 anos, especialmente os oriundos de regiões rurais, o hábito permanece, na maioria das vezes sem imposição da família. Muitos ficam constrangidos de pedir a bênção aos pais na frente de pessoas desconhecidas. "Eu peço bênção aos meus pais todas as vezes em que nos encontramos, mas fico constrangido quando tem gente estranha junto. Bom, aí acabo deixando de lado e não peço. Me sinto infantilizado diante destes "estranhos". Quando estou a sós com meus pais não tenho nenhum problema em pedir a bênção deles." (Carlos Augusto, 40 anso, desenhista)
A jornalista Andrea Rodrigues, 31 anos, acha muito natural pedir a benção dos mais velhos, "vergonha de pedir benção? Não tenho nenhuma, aliás acho muito interessante esse costume. Sempre peço a benção, especialmente de minha mãe em qualquer lugar em que eu esteja. Até num orelhão cheio de gente na fila." Para um geração abaixo dos 30 anos pedir a benção não está entre as prioridades e muitos nunca ouviram falar disso. Os estudiosos observam que em muitos casos os pais mantêm o hábito, mas aos jovens não foi estabelecido este padrão de comportamento.
O costume, hoje em dia, caiu no desuso. Mas não desapareceu, porque para muitos representa uma forma de demonstrar o respeito e afeto pelo pai e pela mãe. O que mais se encontra nas famílias é que os filhos pedem a benção somente aos pais, ou num extremo aos avós e só. O costume ficou restrito ao lar, a família.
História
"A palavra bênção vem de "benedição", do latim "benedictio" que significa ação de dizer bem. Opõem-se à maldição. Numa cultura teísta e patriarcal, era costume dos jovens pedir ou tomar a bênção aos pais e aos mais velhos, o que se exprimia pelo gesto de beijar-lhes a mão. Entretanto, independentemente de qualquer cultura, ter a benção dos pais é um penhor de felicidade humana, como por outro lado, é terrível ser amaldiçoado por eles", conforme definição da Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo.
O professor de história e pesquisador Roberto Milanda Chinalha, avalia o costume da benção - com um olhar crítico
- como um ato de subordinação, que mostra a diferença e a separação entre as classes sociais. Recentemente foi desenvolvido um trabalho de levantamento histórico sobre os coronéis, em Bauru, que mostra o costume da bênção como apadrinhamento político.
Para Roberto "a origem deste costume sociocultural está apoiada na religiosidade e na educação. Está ligado a igreja, a própria hierarquia dentro da igreja. Nas camadas inferiores, fora das grandes centros urbanos, a permanência desse costume é bem maior.
Já nas classes mais elitizadas, que detêm mais acesso a informação, nota-se que vai havendo uma mudança e este costume foi dando lugar a outros, mais novos. A diversidade de pessoas, culturas, hábitos e costumes também colaboram para que certos costumes, como é o caso da benção dos pais, caia em desuso e em seu lugar apareceram novos."
Chinalha comenta ainda que, a bênção também significa respeito pela pessoa mais velha, "é uma reverência, pedir a benção é pedir e precisar da aprovação de alguém, o que implica num comprometimento de ambas as partes."
Famílias
Tradição ou costume. Imposição ou educação. Não faz muita diferença. Na família de Ana Mertz - de origem lituana e alemã
- os seus três filhos não só nunca pediram a benção nem aos pais nem a ninguém como também chamam pai e mãe pelo primeiro nome. Para quem vem de uma educação mais formal, o exemplo dá um ar de jovialidade e intimidade muito grande, mas o respeito está implícito.
Ana conta que sempre pediu a benção dos tios e das pessoas mais velhas que ocasionalmente visitava. Esse "costume" perdurou até bem pouco tempo em sua vida, mas afirma que jamais impôs a qualquer um de seus filhos esse costume. Na opinião dela, devemos procurar observar as experiências dentro e fora da nossa família, buscar o entendimento e não cometer as mesmas falhas, que ora enxergamos nos outros, na educação dos nossos filhos."
Com um posicionamento diferente, a família de D. Nadir Manrique Barone, viúva, mãe de quatro homens de idades que variam de 35 a 21 anos, todos os filhos e netos pedem a sua benção. "Não houve imposição e eu mesma nunca disse a eles que deveriam fazer isso. Foi algo natural. Eles viam que eu fazia isso com meus pais e foram reproduzindo meu comportamento."
Na família Barone, de ascendência italiana, os filhos diariamente se reúnem para almoçar juntos com a mãe, mesmo os casados, e confraternizar. A benção dada por D. Nadir tem um diferencial, é em italiano! "As vezes estou ocupada com alguma coisa e escuto alguém pedir benção e respondo em italiano mesmo: "Dio te benedicta", herança dos meus avós (risos)."
Os filhos Luiz Fernando, Eduardo, Ricardo e Rodrigo pedem a bênção da mãe todo o tempo. Quando chegam e quando saem. Ao dormir e acordarem e em todas as horas em que sentem necessidade da benção materna.
Integrantes de uma família de 9 irmãos, oriunda da zona rural - de pai austríaco e mãe espanhola
- as irmãs Ana, Ercília e Maria Luiza Rett relembram com saudades da infância e afirmam que o costume de pedir bênção era normal e elas nem questionavam
, apenas pediam a todos os tios e tias, avôs e avós e todas as pessoas mais velhas. Maria Luiza lembra rindo muito, que certa ocasião sua mãe mandou ela pedir bênção a uma senhora, e ela não pediu "coisa de criança mesmo, não sei o que me deu na hora, mas não pedi, acho que me senti constrangida, e olha que eu tinha uns 7 ou 8 anos e minha mãe ficou muito brava, porque isso era sinônimo de má educação para os outros." Todas são unânimes em afirmar que este hábito era tradição na época e que perdurou por muito tempo. Hoje, os filhos dificilmente pedem a benção, um ou outro, geralmente o que mora longe da família, é que tem este gesto, comentam.Costume, modismo, hábito ou tradição, ou ainda tudo isso reunido numa única atitude: pedir a bênção.