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Sobre mundos: O diferente: um perigo ou uma chance?

Padre Beto
| Tempo de leitura: 4 min

Especial para o JC Cultura

Na última produção de Tim Burton, Planeta dos Macacos, o diretor tematiza a relação conflitante entre seres diferentes. Um ser humano visita um planeta onde os macacos possuem sua sociedade e acaba sendo um fator de destruição do sistema estabelecido.

No final do filme o público constata que um dos macacos deste planeta cumpre uma função semelhante em nosso planeta Terra. Os dois personagens representam o elemento estranho que, ao entrar em contato com um determinado sistema social, transforma-o radicalmente.

Justamente esta polaridade entre o pré-estabelecido e o diferente constitui a estrutura clássica dos filmes de terror ou de ficção científica. As produções destes gêneros iniciam geralmente com a apresentação de um determinado cotidiano: uma família, um grupo de amigos que saem em viagem de férias, uma equipe de pesquisa, um sistema social, etc.

Neste cosmos regido por normas e regras ocorre o surgimento de algo novo, de um elemento estranho que poderíamos chamar de aliens. Simplesmente por sua presença, o ritmo normal do universo apresentado pelo filme acaba sendo ameaçado, dando início à luta entre o alien e os defensores da ordem estabelecida. A história chega ao seu fim com a destruição do alien ou com sua assimilação pelo sistema. Uma harmonia é reconquistada, apesar do antigo universo já não mais existir.

O elemento estranho, o estrangeiro, ou novo pode ser definido como tudo aquilo que está além dos limites do que Husserl determinava por esfera particular. Particular é entendido aqui em seu sentido genérico, ou seja, aquilo que faz parte do cotidiano, que possui familiaridade, que é utilizado normalmente.

O ser humano nasce em um determinado cosmos social e neste assimila suas regras e costumes. À esta esfera particular pertencem as formas de comportamento, os tipos de relação, a aparência do corpo, o vestuário, a casa, as formas de amizade, a criação das crianças, o respeito aos idosos, etc.

Através deste cosmos social o ser humano aprende a ver o mundo, a entendê-lo e a reagir diante das diversas circunstâncias. Através de seu universo social ele assimila uma determinada moral e uma determinada ética. Tudo que ultrapassa os limites da esfera particular é visto como esquisito, como estranho, pois este constitui-se em uma contradição com a ordem estabelecida colocando a normalidade em perigo.

Robert Michels determina o estranho como um representante do desconhecido. Por esta razão ele torna-se, para o grupo que o recebe, quase sempre como uma ameaça. Tudo o que o homem não consegue dominar através do conhecimento causa medo e pavor. Não é por menos que os indígenas e os alienígenas são apresentados no cinema geralmente como hostis e assustadores.

Porém, o que era há algumas décadas atrás raro de acontecer, hoje tornou-se um fenômeno comum. O surgimento de um elemento que não pertence à nossa esfera particular tornou-se uma característica da modernidade. Graças ao avanço dos meios de comunicação, cada vez mais a nossa esfera particular transforma-se em um espaço aberto podendo receber elementos e pessoas de outras culturas que acabam sendo assimilados pela nossa.

Na sociedade moderna o estranho, o diferente é um elemento andarilho que hoje chega e amanhã permanece. Este processo de entrada do novo não é passivo.

Max Scheler detecta uma lógica do pensamento convencional que costuma proteger o grupo diante dos elementos estranhos. Esta lógica é movimentada por quatro princípios: a vida e principalmente a vida social deve continuar a ser como sempre foi; nós podemos (ou devemos) confiar nos ensinamentos transmitidos por nossos pais, professores, padres, pastores, governos, tradições e costumes; para o desenvolvimento normal da sociedade é suficiente que todos tenham um conhecimento superficial sobre os fatos e os acontecimentos; sistemas e padrões sociais não são de interesse privado, mas sim uma propriedade de todo o social.

Com esta mentalidade autoritária não somente o status quo é conservado, mas o diálogo com o novo não acontece. Este é rejeitado ou condenado a viver em guetos.

Se analisarmos melhor esta postura conservadora e mantenedora de qualquer sistema encontraremos sua motivação em uma única causa: o medo. O estranho significa uma ameaça pois provoca sempre alguma transformação. Esta, porém, é inevitável, pois a vida não é estática, mas sim um movimento que torna tudo passageiro.

Nela a única alternativa feliz é a confrontação com o novo, com o chamado alien. Somente uma postura aberta diante do diferente garante a nossa autonomia como indivíduos.

Nesta vida-movimento as diferenças entre os seres humanos é fato incontestável. A questão é como tratamos delas. Como afirma Caetano, O narciso acha feio o que não é espelho.

Fale comigo através do e-mail : roberto.daniel@lycos.com

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