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Mais governo

(*) José Genoíno
| Tempo de leitura: 3 min

Duas características marcam o mundo globalizado e a ordem política neoliberal: uma realidade caótica nas relações entre Estados e a desregulamentação normativa nos ambientes internos dos Estados nacionais. Este quadro se completa com um significativo recuo do poder público em várias atividades que foram sendo passadas a grupos privados ou simplesmente deixaram de existir. Assim, pessoas, atividades e coisas se relacionam em circunstâncias nas quais não intervêm estruturas normativas e institucionais.

A desregulamentação neoliberal criou um mundo mais instável e mais imprevisível. Instável nas relações de trabalho, nas relações econômicas, nas relações entre Estados. Imprevisível, porque a perspectiva de muitas atividades é de curto prazo e porque o vácuo deixado pela norma e pela autoridade favorece o desfecho de relações com base no critério da força, seja ela econômica, política, militar ou a mera violência. Este tipo de situação desestabiliza tanto a vida das pessoas comuns, que precisam de um mínimo de estabilidade e planejamento, quando o empreendimento de uma série de atividades produtivas, que precisam de um ambiente de previsibilidade para poder planejar, investir e produzir.

Neste mundo desregulamentado, instável e imprevisível ganha quem tem mais força, quem dispõe de mais informações, quem tem capacidade de operação global, quem sabe como se movimentar num ambiente de inexistência normativa. Não é por acaso que as atividades especulativas, a lavagem de dinheiro, o crime organizado, o narcotráfico e as atividades informais vêm crescendo em todo o mundo. Sonegação, corrupção e remessa de dinheiro para paraísos fiscais tornaram-se práticas generalizadas. Já os grupos econômicos mais poderosos arrancam dos governos facilidades fiscais, subsídios, incentivos, empréstimos especiais, renegociações de dívidas, facilidades todas que estão fora do alcance dos cidadãos comuns e dos grupos econômicos mais fracos.

Os atentados terroristas nos Estados Unidos desnudaram as conseqüências da desregulamentação e da ausência de governo. Até mesmo a nação mais poderosa do mundo vê-se frágil e insegura. Não há segurança nos aeroportos, nas ruas ou até mesmo em centros de negócios famosos, como eram as torres do World Trade Center ou centros de defesa como o Pentágono. Os Estados Unidos têm direito de se defender, mas desde que se leve conta as normas e o direito internacional, não o mero uso da força bruta. A reação e a punição dos atentados indicam a necessidade da busca de uma governabilidade mundial, baseada no direito, na justiça e legitimada por uma estrutura associativa e democrática de Estados nacionais.

Com o fim da Guerra Fria e do confronto ideológico, o mundo se tornou mais interativo e, por conseqüência, mais complexo e mais plural. Hoje, as relações e acontecimentos internacionais reagem de forma mais intensiva com as realidades nacionais e locais. Quanto mais complexo e pluralista um sistema, mais importante se faz a autoridade da lei.

Para enfrentar este estado de coisas caótico, torna-se necessário instaurar um novo padrão de governabilidade que estruture um entrelaçamento normativo e regulador entre as esferas internacional, nacional e local. Deve-se reforçar o caráter neutro e arbitral das novas instituições do poder público. A complexidade e a pluralidade do sistema social tornam cada vez mais difícil a tarefa de governar e a imperatividade da lei. Por isso, o Estado deve reforçar seu papel de mediação de conflitos e de indução de tendências. E ao contrário do que propõe o ideário neoliberal, retomar o planejamento estratégico público é condição necessária para constituir um mundo mais seguro, mais previsível, mais confiável e mais justo. A desigualdade de condições e a desigualdade factual ou real é, hoje, uma das principais fontes de conflito e de geração de insegurança.

(*) José Genoíno - deputado federal PT/SP.

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