Não é o resultado imaginado, que chegou até a ser festejado, mas a agricultura voltou a responder positivamente neste ano aos modestos estímulos que recebeu. Devemos colher uma excelente safra de grãos da ordem de 98 milhões e 500 mil toneladas, de acordo com o último levantamento do IBGE. O objetivo de alcançar a produção de 100 milhões de toneladas continuará a ser perseguido pelo ministro Pratini de Moraes e, se houver um pouco mais de agilidade e empenho na área financeira do governo, podemos atingir a meta já na próxima safra de 2002/2003. A diferença pode parecer insignificante, mas é importante ultrapassar o marco dos 100 milhões não apenas porque o aumento da produção é sempre benvindo mas também porque se tornou um número “emblemático, para usar uma expressão usual entre os “novos filósofosâ€... E finalmente poderíamos contabilizar um bom ativo na herança um tanto problemática que o atual governo vai deixar para o próximo.
No Brasil, a mídia essencialmente urbana costuma tratar com bastante ligeireza as questões da agricultura. De uma maneira geral prevalece uma atitude de indiferença, mesclada às vezes de hostilidade em relação aos problemas que afetam o produtor rural. Por essa razão, a maioria dos leitores citadinos não se dá conta que a agricultura brasileira sofreu um processo de descapitalização violenta nos primeiros anos do Plano Real. Foi o setor que mais contribuiu para a estabilidade e o mais sacrificado em termos patrimoniais, suportando a enorme transferência de sua renda para o consumidor urbano. Apesar de castigada, em pouco mais de 2 anos, graças aos tímidos estímulos de crédito, à possibilidade de reestruturação das dívidas e graças principalmente à mudança da política cambial que a estava destruindo, a agricultura voltou a investir em novas técnicas de cultura, no uso de novas sementes, produzindo um salto de produtividade e no volume das safras.
Esses fatos mereceriam uma atenção um pouco mais inteligente. Nós estamos assistindo agora à vibrante reação da mídia às restrições impostas pelos Estados Unidos à importação de aço, o que prejudica os fabricantes brasileiros que exportam para aquele mercado. De acordo com as primeiras informações, prevê-se uma perda anual de 450 a 500 milhões de dólares nas exportações siderúrgicas brasileiras. Se olharmos a pauta de nossas exportações agro-industriais, podemos imaginar que perdemos anualmente algo como 4 ou 5 vezes mais, com o que deixamos de exportar de produtos agropecuários que são sobretaxados ou sofrem restrições de ordem variada ao ingressar no mercado americano .
Para tratar desses problemas, é preciso entender que os Estados Unidos, desde que se organizaram como Nação, têm como princípio garantir aos seus cidadãos a segurança militar e a segurança alimentar, sob quaisquer circunstâncias. Após 226 anos de prática, eles continuam sustentando esses princípios e por isso protegem a sua siderurgia e a agroindústria da competição externa. Isso devia nos ensinar algumas coisas, como por exemplo, deixarmos de condenar a concessão de subsídios à nossa agricultura e às exportações – que a maioria dos países desenvolvidos pratica – alvo de escandalizada objeção de muitos economistas e de tantos de nossos “analistas†e “comentaristas†midiáticos. Em lugar de aceitar as regras de “bom comportamento†que os formuladores de políticas do primeiro mundo recomendam, vamos tentar entender os nossos reais interesses como Nação.
(*) O autor, Antonio Delfim Netto, é deputado federal pelo PPB-SP e professor emérito da USP