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Descendentes de espanhóis tentam preservar cultura

Diego Molina
| Tempo de leitura: 4 min

Ao contrário de japoneses, alemães e até mesmo italianos, os descendentes de imigrantes espanhóis que vieram para o Brasil no início do século passado perderam, ao longo dos anos, parte das fortes tradições de seus pais e avós. Para recuperá-las, alguns bauruenses tentam preservar os costumes, o estudo do idioma e as comidas típicas, até mesmo para manter os laços com a cultura e a saudade dos pais e avós espanhóis.

É o caso da professora e historiadora Rosemeire Pereira D’Ávila, que lançou nesta semana o livro “Lembranças da Imigração: Cenas e Cenários de Vida dos Imigrantes Espanhóis em Bauru (1892-1930)”, editado pela Edusc. A publicação teve origem na pesquisa do mestrado concluído na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Franca e resgata a história dos imigrantes na cidade desde seus primeiros registros, no final do século 19.

A autora explica que colheu as informações principalmente em jornais da época e em entrevistas com descendentes dos imigrantes, que comprovaram os fatos históricos relatados em livros sobre o período. “É mais fácil encontrar material sobre italianos e portugueses, apesar da colônia espanhola ser a terceira maior na região”, observa.

De acordo com D’Ávila, a maioria dos imigrantes que deixaram a Espanha a partir de 1892 sabiam que dificilmente retornariam para sua terra natal. “As viagens de navio eram longas e caras, então, eles deixavam os laços e a identidade para trás. Para contornar essa dor, eles procuravam trazer toda a família”, conta a autora.

Foi exatamente o que ocorreu com os avós de Isabel Yepes Fischer, 84 anos. Ela relata que seu pai, já adolescente, veio com os pais para a região de Jaú, após um tio ter passado alguns meses trabalhando na Argentina. “Minha mãe ainda era bebê quando eles vieram.”

Segundo Isabel, sua avó não se adaptou aos serviços nas fazendas e a família mudou-se para Bauru em 1926. “Moramos na rua São Paulo. Depois, o (coronel Manoel) Alves Seabra comprou toda essa região, que era a Fazenda das Flores, e meu pai, que não tinha ofício, vendeu uma vaca e comprou um burro e uma carroça. Ele conseguiu comprar esse terreno e trabalhava como carroceiro para uma serraria”, relata. Até hoje, a família mora na rua Boa Esperança, na Vila Seabra.

Durante o período em que trabalhavam nas fazendas, os imigrantes tinham permissão para manter culturas de subsistência entre as fileiras dos cafezais. D’Ávila indica que o comércio desses produtos era a principal fonte de renda das famílias.

Segundo o historiador e jornalista Gabriel Ruiz Pelegrina, também descendente de espanhóis, os imigrantes começaram a deixar as fazendas por conta da crise econômica e do café, em 1929. Os espanhóis que tinham conseguido economizar algum dinheiro, pela propaganda boca-a-boca, se concentraram no loteamento do coronel Alves Seabra, que viria a ser a Vila Seabra.

“Houve ali um problema étnico. Eles criaram até salas de aula mistas para filhos de espanhóis. É uma tentativa ainda de manter a identidade, uma resistência à integração das culturas. Também havia a endogamia, casamentos apenas entre descendentes”, ressalta D’Ávila. Ela comenta que os “espanhóis bauruenses” chegaram a promover touradas na cidade.

Toucinho e mantecal

Na opinião de Mary Myrthes Fischer Rubira, filha de Isabel, os descendentes de espanhóis não foram capazes de preservar muitos dos hábitos de seus pais e avós justamente porque não havia grande interação entre as famílias. “O espanhol não é como o italiano, que é agarrado à família. Acho que esse é o motivo de muitas tradições terem se perdido.”

No entanto, a família ainda relembra de seus antepassados e das histórias antigas por meio das comidas típicas. “A gente ainda faz o puchero, a miga. Mas eles tinham o costume de fazer tudo muito salgado. Compravam toucinho, temperavam e iam cortando para fritar. E sempre fazemos mantecal também”, observa Isabel, deixando todos com água na boca.

A estudante Juliana Garcia Ferraz, bisneta de espanhóis, se interessou em estudar a língua justamente para recordar e preservar a memória de seus avós. “Minha avó tinha diários, livros e cadernos de receitas, todos em espanhol. Minha vontade de estudar espanhol veio daí, das lembranças dos meus avós conversando em casa e até falando palavrões (risos).”

Para D’Ávila, o estudo da língua e a manutenção de costumes nas famílias fazem parte da preservação da história não apenas dos descendentes mas também de Bauru e do País. “Quando há festas típicas, você vê como as pessoas sentem falta dessa proximidade, das tradições, da língua. Todos gostam de relembrar, de contar as histórias e é isso que deixa a lembrança e a cultura espanhola vivas ainda hoje”, finaliza.

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