Ciências

Língua: mostrar é revelar-se!


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Esta língua é normal? E me mostram propagandas em revistas nacionais de grande circulação. Que situação!

Esconder a sensibilidade é prática comum e cedo aprendemos! Não mostre a língua, menino, é falta de educação! Mostrar a língua sinaliza irreverência: quem não se lembra de Albert Einstein e sua foto mais famosa? E de Mick Jagger? A paixão, o desejo, a volúpia também podem ser reveladas pelo toque inquietante de duas línguas ardentes na escuridão bucal onde cintilam as úvulas testemunhas! As línguas podem estar fissuradas uma pela outra!

Expor a língua implica em revelar o seu grau de sanidade física: nela se manifestam sinais precoces de muitas doenças e outras situações. Mostre sua língua e direis quem tu és, ou melhor, como tu estás. Para alguns, mostrar a língua é quase comparável a expor a genitália. Revela a alma e o íntimo de nossos sentimentos e práticas. Por isso que se tem "pragas" como: ?vai morder a língua?! Ou: ?ih, queimou a língua?!

Que nada! Na língua estão o gosto, o prazer, o sentido revelador da comida. Como é bom comer e sentir a mais escondida das substâncias culinárias: ora doce, ora salgado, ácido e azedo! Sabor e saber têm a mesma origem! Mas a língua, pobre língua, pode ser reprimida, contida ou presa como a do personagem Cebolinha, quando se chama anquiloglossia.

Com seus 17 músculos, a língua não haveria de ficar parada. As mais agitadas mudam tanto, se travestem tanto, que podem ser línguas globalizadas. Da língua pátria surgiu sua função maior, o falar, se possível a língua de Camões. Na língua piercing se coloca, tatuagem se desenha e acrobacias se realizam. A perda da língua requer atenção: fisioterapia e recuperação. Cá entre nós, sem língua fica difícil a relação e deve machucar muito a auto-estima e o coração.

O corpo humano foi comparado a uma casa: a boca, seu "hall" de entrada como no livro hebreu Sefer haolsmot o maaseh tovia. Com asas da imaginação, os lábios representam a porta de entrada e os dentes os seus móveis; a língua o tapete e o palato um teto maravilhoso, afinal o "céu" da boca!

Geográfica


Temos uma "Língua Geográfica" quando percebemos áreas avermelhadas ao redor das quais formam-se halos ou faixas brancas amareladas e que representam descamação das papilas filiformes. A superfície da língua tem a cor rosa clara e superfície áspera repleta destas pequenas papilas bem afiladas recobertas por queratina, uma proteína que também reveste a pele.

De um dia para outro, as manchas podem desaparecer ou mudar de posição, dando um aspecto de mapa com suas constantes mudanças a cada período de tempo, como foi comparada por Bergeron em 1864. A manifestação pode ser duradoura ou transitória e a sintomatologia nem sempre está presente, mas a ardência e queimação ocorrem na ingestão de alimentos ácidos e condimentados. O diagnóstico final deve ser feito por um profissional.

A Língua Geográfica tem 20 nomes e está presente em 2,5% das pessoas de ambos os gêneros, de todas etnias e faixas etárias, muito embora diminua a partir dos 30 anos. As mulheres são mais afetadas, na proporção de 2 para 1. Começa na infância aos 6 meses, mas observada pela primeira vez aos 4 anos. Tem adulto que fica sem diagnóstico durante a vida toda, sem qualquer problema.

A principal causa da Língua Geográfica é o estresse emocional nas pesquisas realizadas. Outras causas podem estar associadas como hereditariedade, mas não são determinantes. A frequência de língua geográfica chega a ser de 4 a 5 vezes mais frequentes em portadores de psoríase, doença cutânea muito comum com lesões brancas e avermelhadas descamativas e relacionadas ao estresse emocional.

A Língua Geográfica pode ter associação com a atopia, uma situação em que duas destas três manifestações alérgicas estão presentes: rinite, dermatite e asma. Mais de um terço das pessoas pesquisadas com Língua Geográfica são atópicas.

A sintomatologia da Língua Geográfica tem relação direta com a ingestão de alimentos ácidos e picantes. É muito importante saber que a Língua Geográfica não tem qualquer relação com o câncer da boca ou de outras partes.

Em tempo: a pessoa estressada também pode ter gastrite e acidez estomacal. Quando se come alimentos ácidos e condimentados, o estômago tem azia e a Língua Geográfica arde, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra: a Língua Geográfica não tem nada a ver com as alterações estomacais!


Alberto Consolaro é professor titular da USP - Bauru. Escreve todas as segundas-feiras no JC. E-mail: consolaro@uol.com.br

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