JC Criança

O hábito de escrever diário tem efeito terapêutico

Lúcia Barros e Mônica Canejo
| Tempo de leitura: 5 min

Além de funcionar como desabafo, a transformação de sentimentos em palavras escritas em um diário faz com que a gente organize os pensamentos, determine prioridades, reconheça alterações de humor e acompanhe em detalhes o processo de amadurecimento pessoal.

A psicóloga Rosemeire Zago orienta os pacientes a manter um diário de suas emoções. Nem todos colocam no papel o que sentem, mas, diz ela, "são esses os que obtêm maior controle sobre seus aspectos emocionais".

"Hoje fui com minha mãe ao choping. A gente brincou na picina de bolinha". Assim começa o primeiro diário de Laura Carolina Ascêncio Ortiz, 8 anos. Sem saber, a menina repete um hábito antigo e universal. Os primeiros diários pessoais de que se tem notícia eram chamados livros de cabeceira no Japão do século VIII.

Mas só nos anos 70 os psicólogos perceberam como o hábito de registrar experiências poderia ajudar na terapia e levar as pessoas a ter uma vida mais rica, saudável e plena. Em geral, é na pré-adolescência (entre 8 e 12 anos) que os diários são iniciados.

Nesse período, meninos e meninas têm questionamentos e a sensação permanente de que ninguém os entende. Mas o recurso pode ser adotado em qualquer idade ou fase da vida, com resultados positivos para a mente e o corpo.

Estudo realizado na Universidade da Califórnia (EUA) comprovou que uma área do cérebro escondida logo atrás dos olhos (chamada córtex pré-frontal ventrolateral direito) é ativada quando falamos e escrevemos sobre as emoções, produzindo efeito terapêutico. Isso reduz o desconforto que sentimentos negativos provocam nas amídalas - o famoso nó na garganta.


E a Internet?

Em tempo de blogs, Facebook, Twitter e coisas do gênero, como comparar a escrita de um diário aos registros online? Há uma diferença fundamental entre as duas formas de expressão: a primeira é feita para compartilhar com amigos e/ou desconhecidos; a segunda é íntima.

E isso muda tudo. Online é preciso selecionar até que ponto você está disposta a se expor - afinal, nem tudo queremos compartilhar. A presença nessas redes sociais, portanto, não substitui o diário íntimo, que a psicóloga Rosemeire Zago recomenda guardar longe de olhos alheios.

"Tenha cuidado para ninguém ler suas anotações. Depois de tudo analisado, você poderá, se quiser, rasgar, amassar, queimar, jogar no lixo, deletar. Ou, ainda, poderá guardar para ir observando, sempre que reler, seu próprio progresso. Mas essa escolha precisa ser sua", orienta Rose.


A saúde agradece

Pesquisas conduzidas na Universidade do Texas (EUA) revelaram: pessoas que adotaram o hábito do diário vão menos ao médico e se tornam mais saudáveis em geral. Pressão arterial mais baixa e maior poder de concentração, memória e tomada de decisão são outros benefícios.

Estudos específicos com pacientes que sofrem de artrite mostraram que aqueles que escreveram sobre eventos traumáticos em sua vida passaram a precisar de menos medicação para a dor e, com portadores da aids, o resultado foi uma melhora significativa no sistema imunológico.

Quem explica o porquê de benefícios tão extensos é o psicólogo James Pennebaker, responsável por vários desses estudos. "É preciso entender que inibir as emoções tem impacto negativo sobre o corpo. O esforço feito para não pensar sobre algo desagradável ou para não sentir determinada emoção se torna fonte de estresse psicológico, capaz de causar doenças", explica o professor.

"Escrever ajuda as pessoas a entender e organizar psicologicamente os eventos vividos. A partir daí, elas dormem melhor, o nível de estresse baixa e fica mais fácil a interação social com amigos e parentes. Todas essas coisas melhoram a saúde física", conclui o chefe da psicologia da Universidade do Texas.


De tudo um pouco

Não são apenas as experiências do dia a dia que fazem um diário. A ideia de manter um registro de tudo o que come ajuda muita gente a ter sucesso numa dieta ou a descobrir a relação entre determinados alimentos e um mal-estar.

A apresentadora de TV americana Oprah Winfrey - a mais bem paga mulher no showbiz, com uma incrível história de superação de pobreza e abuso psicológico e sexual - mantém há anos um diário da gratidão. "O compromisso de anotar diariamente cinco coisas boas que aconteceram faz você mudar a forma como vê a vida. A gente passa a procurar o que nos deixa feliz para ter o que anotar mais tarde", declarou ela.

Não importa a motivação primeira, a verdade é que os muitos benefícios advindos do hábito de manter um diário justificam a decisão de investir alguns minutos todos os dias nessa atividade. Como diz a psicóloga Rosemeire Zago: "É uma maneira de comprometer-se consigo própria, transformando o raciocínio em palavras que podem ser relidas, analisadas, sem defesas nem fugas, as quais muitas vezes acontecem quando ficam limitadas apenas aos pensamentos". Como bem colocou o grande escritor inglês Oscar Wilde, "é a confissão e não o padre que nos absolve".


Como começar

Escreva 5 minutos por dia por quatro dias consecutivos, ao menos. É o suficiente para começar a sentir os benefícios. A partir daí, tente escrever sempre que possível. Mesmo registros eventuais auxiliam a ganhar outra perspectiva sobre a própria vida.

Não se preocupe com gramática, frases bonitas... A proposta não é fazer literatura, mas conhecer-se.

Para superar uma experiência dolorosa, escreva sobre ela e os sentimentos que lhe causou por 5 minutos durante quatro dias. Se for muito difícil, escreva outras coisas e volte ao tema depois. Ao racionalizar, nos distanciamos dos fatos e vamos dando a eles seu tamanho real. Por isso, escrever sobre o que dói é libertador.

Sempre registre suas emoções positivas e conquistas, mesmo as pequenas. Ao escolher escrever sobre o que lhe faz bem, você opta por pensar e sentir coisas boas.

Há quem ritualize a escrita pondo música, incenso, marcando hora. Outros escrevem de qualquer jeito. Veja o que funciona para você

Comentários

Comentários