Nova York - É bem provável que você conheça o sanduíche de pastrami, tão famoso em Nova York como o bauru, aí na terrinha. Visitar a "corte", como dizia Paulo Francis, e não provar o pastrami é como não ter comido acarajé em Salvador, tapioca em Maceió ou tomado tacacá em Belém. O peito bovino curado com sal e especiarias e depois defumado e cozido no vapor é um ícone da cozinha judaica praticada nas "delis" nova-iorquinas. A origem do pastrami, segundo a enciclopédia britânica, vem de um método empregado pelos armênios e romenos para conservar a carne. A "pastrma" era feita com carne de segunda e muito popular entre as famílias pobres. Os arroubos nostálgicos dos judeus que imigraram do Leste Europeu para Nova York, no século 19, fez renascer o pastrami aprimorado de hoje.
No Katz?s (205 East Houston Street), uma espécie de Skinão judeu, o sanduíche é perfeito. Vale por uma refeição. Por isso há filas. Trata-se da deli mais antiga de Nova York, aberta em 1887. A carne servida em fatias bem finas é macia, suculenta e condimentada com ervas, pimenta-do-reino e sementes de coentro. Vem acompanhada de fatias de pão de centeio, picles e mostarda. O pão judaico tem uma crosta crocante e vem quentinho, como saído do forno. O sanduíche custa 16 dólares, mais o valor do imposto agregado de 8,75%. A gorjeta (tip) sugerida é de 20%. Os brasileiros tentam ignorar a propina, coisa sagrada nos Estados Unidos e, por isso, ganhamos fama de "stingy" (alguma coisa como pão-duro). Há vários outros lugares em Nova York, igualmente bons. Na 7.ª Avenida conheço dois: o Carnegie e o Stage, com pastramis de gostos diferentes, como a variação de pizza. Eles são mais famosos pelo corned-beef - peito de boi que foi marinado com sal e açúcar, alho, e depois cozido. Cruzei a ponte do Brooklin a pé, para ver a paisagem do outro lado do rio. A vista dos arranha-céus iluminados é deslumbrante. Lá está o River Café do velho Michael "Buzzy" O?Keeffe, um irlandês que disse ter pescado com o Claudio Amantini no Pantanal (e quem não?). Sugeri a ele que introduzisse o nosso bauru no seu cardápio. Ele adorou a receita, mas achou que o nome é quase impronunciável em inglês e, "não desperta as papilas gustativas dos clientes". Pelo menos tentei.
Lembro-me que nos anos 70 comia pastrami na extinta Casa Ricardo, em São Paulo, na Vieira de Carvalho. Recentemente, comprei pastrami no supermercado, em Bauru. Desses que já vêm cortado e envelopado a vácuo. Perde feio em sabor e textura para o original americano. No Sardi?s, restaurante frequentado pelos jornalistas do New York Times (segundo eles mesmos, um jornal católico, feito por judeus, para enganar protestantes), em Times Square, valeu à pena o spaghetti alla Norma. O garçom anuncia cada prato com voz de contralto e esfregando indicadores e polegares como se tivesse esmiuçando as texturas. O nome veio da ópera homônima de Rossini. O molho alla Norma combina alho, tomate pelado, manjericão fresco, ricota salgada e curada, feita com leite de cabra e berinjela frita. Dá para dois e sai barato.
Mas nem só de comida vive Nova York. Existem bares frequentados por homens em busca de mulheres, por mulheres em busca de homens, por homens em busca de homens, que se parecem com mulheres, ou por mulheres em busca de mulheres que se pareçam com homens. É por isso que Frank Sinatra canta em New York, New York: "quem sobrevive aqui sobrevive em qualquer outro lugar". O brasileiro ainda não descobriu que a cidade tem praias, além das lojas da GAP. Já conhecia a praia de Coney Island, no Brooklin. Desta vez fui conferir a de Rockaway, no bairro de Queens. Lá encontrei um alagoano dando aulas de ginástica rítmica ao som de Michel Teló. Pela primeira vez na vida vi garotas de biquíni com torsos tatuados com frases literárias, do cotovelo ao reguinho. Diálogos de peças vencedoras de Pulitzer, que nos encorajam a tratar cada momento como o melhor de nossas vidas. Um dos textos, de Saroyán (a moça estava bem do meu lado) terminava assim: "não aumente a tristeza e a dor do mundo, mas sorria para o seu infinito deleite e mistério". Bye.
O autor, Zarcillo Barbosa, é jornalista e colaborador do JC