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Uma escola sem "muros" e sem séries

Nélson Gonçalves
| Tempo de leitura: 4 min

A escola defendida pelo pedagogo José Pacheco não tem quatro ou cinco fileiras de carteiras onde os alunos, passivos, esperam no quadro negro - e mesmo no tablet para as unidades mais modernas – a transferência hierárquica de informação.

Ontem, em palestra realizada no auditório da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP) e realizada pelo Sesc e Departamento de Fonoaudiologia da USP, ele defendeu a mudança de paradigmas nos processos pedagógicos e a “libertação” em relação ao modelo da escola tradicional, assentando como valores a solidariedade, autonomia e responsabilidade dentro de uma comunidade.

Para José Pacheco, a falência do modelo atual inclui métodos e concepção. “Fazemos uma escola para formar cidadãos do novo século a partir de métodos do século XIX ainda. Professor e aluno têm de ser sujeitos. Para mudar nossa escola, precisamos do incomum, tudo menos o comum”.

Na formação do professor, o pedagogo fundador da Escola da Ponte (leia mais ao lado) aponta três princípios que a universidade não contemplaria. “O primeiro princípio não observado na formação do professor é o de que a ‘teoria nunca antecede a prática’. O jovem entra na universidade e é bombardeado por Lev Vigotski (psicólogo bielo-russo) e, ao acabar sua formação, o pensador não está mais lá, mas o aluno continua sem aprender sobre a realidade”, inicia.

O segundo princípio não levado em conta no magistério é o ‘isomorfismo da formação’. “O modo como o professor aprende é igual a como ele ensina. O professor ensina por hierarquia e não baseado no que o aluno quer. O professor não existe para dar aula ao outro, mas ensinar e aprender com o outro”, aborda.

O terceiro ponto que gera distorção no processo de alfabetização é a relação professor-aluno, o chamado pacto do ensino. Ao professor, cabe repetir modelos e conteúdos seculares que não têm mais sentido. Nesse pacto, o grupo de alunos, estes ordenados em fileiras, recebem aquilo que foi preparado. “No Brasil, há 30 milhões de analfabetos e o professor é objeto da formação e não sujeito. Os cursos de formação que temos não logram transformação, apenas repetem a formação que existe”, reflete.

Sem inclusão 

Pacheco não poupa nem as tentativas de inclusão de alunos na chamada educação especial. “Não há deficiente na educação especial. O que há são deficientes de mentalidade na escola. A inclusão é o exercício dos direitos humanos, onde cada um é tratado como ele é”, conta.

Para ele, ou a escola tem condição de dar resposta a todos, ou não faz inclusão. “Uma escola com muros, distante dos pais e da comunidade, com classes com quatro fileiras de cadeiras e um professor na frente comandando a hierarquização do processo de aprendizado com base em métodos de séculos anteriores é uma escola de faz de conta”, observa.

A distorção conceitual é de que, pelo modelo tradicional, o professor é moldado a conduzir a alfabetização a partir da repetição. “A escola falida que está aí não olha cada um como sujeito e como cada um é. Cada ser é único, cada qual com seu repertório cultural e formação emocional e humana. A escola tem de romper com esse crime que se faz desde o ensino básico de ficar repetindo cartilhas que reproduzem ‘la,le, li, lo e lu’”, acrescenta.

Para o professor Pacheco, não há sentido na divisão de classes e alunos por séries e idade. “Isso não funciona há muito tempo, coloca todos como iguais e não como seres únicos”, finaliza o português.     


Escola da Ponte

A Escola da Ponte - Escola Básica Integrada de Aves/São Tomé de Negrelos, é uma instituição pública de ensino de Santo Tirso, um distrito de Porto (Portugal). O método de ensino é chamado de escola democrática, baseado no Movimento da Escola Moderna (MEM) firmado a partir da concepção pedagógica do francês Célestin Freinet.

A ideia central é o aluno como protagonista do processo de aprendizado. Na prática, os alunos organizam assembleias gerais e debates para resolverem problemas de disciplina e outros da unidade. Quem desrespeitar as diretrizes, inclusive o professor, é convidado a refletir e se posicionar dentro da escola.

É uma escola sem turmas, onde não existem salas de aula, mas sim espaços multidisciplinares. A aprendizagem se desenvolve em pequenos grupos de alunos com interesse comum por um assunto que se reúne com um professor e, todos juntos, estabelecem um programa de trabalho.

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