Tribuna do Leitor

Ética ou coerção?

Centro Acadêmico de Comunicação Social ?Florestan Fernandes? - CACOFF
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No último dia 29 de julho, o professor João Eduardo Hidalgo, da Unesp/Bauru, publicou um artigo de opinião no Jornal da Cidade equiparando ofensas racistas que ocorreram no câmpus contra o professor da mesma universidade, Juarez Xavier, e contra mulheres negras com críticas que recebeu de  estudantes de jornalismo no ano de 2010.


Como uma primeira observação, é importante destacar que o racismo é um problema político e social estrutural e institucionalizado na sociedade brasileira e que se reproduz de forma evidente em suas universidades. Além de ser crime, as práticas racistas se constituem como ferramenta político-ideológica de apagamento cultural e que não podem e não devem ser comparadas a possíveis críticas feitas ao docente, transformando uma questão pedagógica em processo judicial. Estruturante e perverso, o racismo é fruto de uma sociedade baseada em privilégios, que restringe a garantia de direitos sociais para a maior parte da população brasileira e que ocasiona mortes e o genocídio da população negra no País.


Segundo o Mapa da Violência 2015 (http://bit.ly/1h5RXOX), com dados sobre os óbitos no Brasil em 2012, das quase 29 mil mortes com armas de fogo daquele ano, 27.683 dos óbitos era de pessoas negras vítimas de homicídio. Anualmente, os números se repetem. É só fazer as contas: a cada 3 anos, quase 100 mil negros morrem no nosso País. Genocídio gerado fundamentalmente pelo racismo - sob facetas institucionais e sociais, pela desigualdade social e pela falta de oportunidade.


Até agora, foram 4 anos e 2 meses de processo por danos morais que João Eduardo Hidalgo tem travado contra o Centro Acadêmico de Comunicação Social Florestan Fernandes – CACOFF e contra outros dois alunos do câmpus da Unesp Bauru. Foram dias e horas de diversas gerações de estudantes que poderiam aproveitar melhor seu tempo em um esforço conjunto para a defesa de uma educação pública de qualidade, dialógica e multilateral.


Em uma segunda análise, observa-se que os protestos realizados de diferentes maneiras na época foram resultado de uma assembleia que gerou um documento assinado por 111 estudantes do curso de jornalismo atestando a “insatisfação com o método de avaliação do Prof. João Eduardo Hidalgo”. A ata e as assinaturas devidamente protocoladas naquele período foram encaminhadas ao Departamento de Ciências Humanas e posteriomente, foram encaminhadas a uma comissão pedagógica interna que avaliou que a declaração dos alunos - apenas protocolada pelo Centro Acadêmico - tinha caráter puramente pedagógico.


De 2011 para pra cá, pilhas e pilhas de papel têm se acumulado em distintas varas judiciais e criminais de Bauru e São Paulo. Quanto aos questionamentos em relação ao trabalho do professor Hidalgo, vale observar não só a opinião manifestada pelos alunos, mas também o relato de seus próprios pares acadêmicos que se manifestaram contrários à sua permanência nos quadros de professores do Departamento. A decisão foi tomada por unaminidade em junho de 2013 após dois relatórios anuais de atividade do referido professor terem sido reprovados pelas comissões correspondentes de ensino e administração e pode ser consultada no link: http://goo.gl/YlcImM


Ética ou coerção? Essa é uma pergunta importante e que deve nos fazer refletir sobre a solicitação feita no artigo publicado pelo professor Hidalgo. Concordamos quando acreditamos que a educação, como objetivo último da universidade, possa se basear em princípios éticos e pedagógicos que vão, inclusive, em sentido oposto ao próprio processo movido pelo professor Hidalgo contra os estudantes e contra a entidade que os representa.


À luz de nossa Constituição Federal, a Unesp de Bauru deve prezar pela garantia do direito à educação para todos e todas, apurando e atuando ativa e estruturalmente contra a discriminação e preconceito que possam ocorrer dentro e fora do espaço da universidade. A instituição, que nunca se posicionou formalmente com relação aos processos judiciais gerados pelo professor contra seus alunos, deve agora agir de maneira certeira com relação aos casos de racismo vividos pelo professor Juarez Xavier, contra as outras alunas e alunos negros, também no sentido de garantir cada vez maior acesso, qualidade educacional e permanência estudantil para toda uma parcela da população que vem sendo excluída sistematicaticamente deste espaço por sua raça/etnia.


Não se deve cometer o erro banal - quase um sofisma - de confundir um problema judicial, político e ideológico entre alunos e um professor com atos discriminatórios e racistas contra toda a comunidade acadêmica, principalmente a comunidade negra, desta universidade. Racismo é um crime com tamanhas sutilezas e com tantas entranhas no Estado brasileiro que quase sempre é tratado como injúria, difamação e danos morais, mas quase nunca como o que realmente é: racismo. Na melhor das hipóteses, o racismo acaba como processos como os que abriram esse texto e deram origem ao texto opinativo do professor João Eduardo Hidalgo no Jornal da Cidade. Na pior das hipóteses - infelizmente, uma hipótese frequente nos becos e vielas - acaba em morte.

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